Zusammenfassung der Ressource
O que fabrica o historiador quando faz
história, hoje? Ensaio sobre a crença na
história (Brasil séculos XIX-XXI)
Anmerkungen:
- Temístocles Cezar Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre, RS, Brasil
- dossiê| Temístocles Cezar |O que fabrica o historiador quando faz história, hoje?90Ensaio sobre a crença na história (Brasil séculos XIX-XXI)Rev. antropol. (São Paulo, Online) |v. 61 n. 2: 78-95 | USP, 2018arrogante geração de 1870, as sínteses de Capistrano de Abreu, a imersão pro-funda de Euclides da Cunha, a geração perdida dos anos 20, aquela à margemda história, as famosas interpretações sobre o Brasil, sobre o que era e poderiaser, de Gilberto Freyre (a mais fundamentada em dados empíricos), Sérgio Bu-arque de Holanda e de Cairo Prado Júnior, que entram no campo da especu-lação e da crença historiográfica, entre tantas outras obras, que construíramnão apenas um sentido para a colonização, senão um sentido para a própriahistória do Brasil, enfim, como sua formação histórica é vivida hoje? Ou seja,como se vive a nação no presente?Essa longa cadeia historiográfica glosada, anotada e interpretada por estu-dos recentes impossíveis de serem todos mencionados e analisados aqui10, masque demonstram que a nação como problema historiográfico e plano políticoecoa do século XIX (se não antes) ao XXI, entre golpes, ditaduras e projetos de-mocráticos, oscilação – suas utilidades e seus inconvenientes – que ora serve-seda história como promessa e realização, ora a converte em etapa a ser superada,ora em anistia e esquecimento. Logo, se a história não é mais mestra, não é maisserva, e parece regida por princípios memoriais, então não seria oportuno estu-dos que se preocupem com as diferentes formas da experiência historiográficaatingir a vida e a vida atingir a experiência historiográfica?conclusão provisóriaNão estou convencido de que a história se repita, mas não tenho convicção deque os historiadores não se repitam. Contudo, a experiência golpista pela qualpassamos hoje, 2017-2018, não estaria apta a despertar a história de seu sonodogmático? A história como tribunal, como valor nacional e como expectativade redenção foi recentemente reativada no debate público. E com certeza nãofoi um Hume brasileiro que acordou um Kant brasileiro. Uma “inquietante fami-liaridade”, como diria Certeau, se reinstala (Certeau, 1987b: 84). A história pareceter retornado. Porém, menos pesquisada e mais retórica. Menoshistoria magistravitaee mais justiceira. Menos teórica e mais experiência. Menos falsificável emais manipulável. Finalmente, menos história e mais memória.Temístocles Cezaré professor titular do Departamento de História da Universi-dade Federal do Rio Grande do Sul,directeur d’étudesinviténa École des HautesÉtudes en Sciences Socialesde Paris e bolsista do CNPq.
- 1. OBJETIVO: Continuar
perseguindo as apropriações
historiográficas do tempo
pelos antigos e modernos
- 2. O QUE FABRICA O
HISTORIADOR QUANDO
"FAZ HISTÓRIA"?
- a. O que fabrica o
historiador quando “faz
história”, hoje?
Especificamente, como
atua o historiador em um
tempo no qual ele não
detém mais o monopólio
explicativo acerca do
passado e muito menos
do presente? Como a
historiografia pregressa, a
história pensada como
mestra da vida – historia
magistra vitae – o atinge?
- b. A “antropologia da crença”,
tema central na vida e obra
de Certeau (Certeau, 1987a),
nos remete a outra
consideração: por que
acreditamos, se é que
acreditamos, no historiador
e na história, mergulhados
como estaríamos em um
regime de historicidade
marcado pelo presente ou
presentista , no qual o
passado parece mais
memória do que história
(Hartog, 2003 e 2013)?
- c. Nessa travessia
procurarei mapear
situações em que a
historia magistra vitae
converte-se nas figuras
gêmeas da tradição e
da autoridade e,
finalmente, em crença.
- d. A AUTORIDADE e o TEMPO: Se a
autoridade é o outro nome da tradição,
como sugere François Hartog, torna-se
necessário relacioná-la à questão do
tempo, posto que ambas as categorias
estão em perpétua negociação com a
transmissão geracional de sentidos
(Hartog, 2004). Por fim, é preciso
reconhecer um segundo – o primeiro
seria o tempo – e poderoso instrumento
produtor de autoridade: a própria
escrita: “uma autoridade só existe
plenamente se for reconhecida. Isto
provém de uma norma inscrita em um
contexto estético e social e de um
trabalho de crítica interna, de ordem
filológica.
- 3. A NAÇÃO ONTEM E HOJE:
- a. FABRICA DE IDEOLOGIAS: O
que as pesquisas mais
recentes parecem demonstrar
é que o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB),
criado em 1838 com o objetivo
de normatizar a produção
historiográfica no Brasil, e a
escrita da história no século
XIX, não eram apenas, nem
principalmente, uma fábrica
de ideologias (Rodrigues,
1969: 37). 5
- b. Em síntese, podemos
afirmar que a história nacional
do Brasil foi erigida sob o
manto monárquico e que dele
temos dificuldade de nos
afastarmos, como se a Nação e
seu acólito estrutural, o Estado,
organizassem todo o regime de
possibilidades disponíveis –
sejam elas historiográficas
e/ou antropológicas – à
representação da história.
- c. Em outras palavras, o que estou
procurando investigar e demonstrar é que
nem toda a história proveniente do século
XIX se resume ou fundamenta
exclusivamente na história da nação. Um
sem-número de projetos, ideias, ações,
são dissimulados ou obscurecidos pela
grandiosidade e sombra da Nação.
Movimentos culturais, intelectuais,
políticos, cotidianos etc., forças que
simples - mente desconhecemos, e que
formam uma história viva abortada, em
última instância, pela historiografia, aqui
entendida segundo a definição de Michel
de Certeau: “A historiografia (i.e. ‘história’
e ‘escrita’) porta inscrita em seu próprio
nome o paradoxo – e quase oxímoro – da
relação de dois termos antinômicos: o real
e o discurso. Ela tem por tarefa articulá-los
e, lá onde esta vinculação não é pensável,
de fazê-la como se as articulasse”
(Certeau, 1975: 5)
- 4. MONARQUIA E MONARCA:
- a. INSTABILIDADE: Governo,
trabalho, desordem: eis os
mundos constitutivos do
Império do Brasil. “Mundos
– segundo Ilmar Mattos –
que se tangenciavam, por
vezes se interpene - travam,
mas que não deveriam
confundir-se, por meio da
diluição de suas fronteiras,
mesmo que os
componentes da ‘boa
sociedade’ fossem
obrigados a recorrer à
repressão mais sangrenta a
fim de evitar que tal
acontecesse”
- b. Minha hipótese é a de que uma das
fortes razões para lermos e
conhecermos a história da nação, ou
essa história consolidada no século
XIX, é sua importância para o que não
fizemos, para o que não realizamos,
para seus descaminhos e para a vida
que se esvaiu de lá até aqui.
Finalmente, onde foi parar a historia
magistra vitae , aqui pensada no
molde de Marcelo de Mello Rangel e
Valdei Lopes de Araújo, isto é, como
“uma metonímia de uma forma
própria de experimentar os eventos
históricos que amadureceu ao longo
de séculos da história ocidental, que
passou por diferentes formatos e
modelos, mas que apontava sempre
para elementos relativamente
estáveis no plano experiencial”
(Araújo e Rangel, 2015: 318-332)?
- 5. DA HISTORIA MAGISTRA VITAE A VITA MAGISTRA
HISTORIAE: CAPACIDADE DOS SERES HUMANOS NÃO
APENAS ENSINAREM A HISTÓRIA , MAS SE REFLETIREM
NELA PELO EXEMPLO
- a. “ninguém mais confia no
conhecimento histórico para
situações práticas. Nos
derradeiros anos do século XX,
as pessoas já não consideram
a História uma base sólida
para decisões cotidianas”
(Gumbrecht, 1999: 459-485)
- b. [...] que parece evidente é
que o discurso histórico está
sujeito a deformações que
nenhuma filosofia da histó - ria
pode deter. No nosso campo, a
pesquisa de caráter empírico
pode ser um bom exemplo de
que todo gesto de instituição
de sentido é parcial e ex post .
Segue-se que o sentido
histórico de um pode não ser o
mesmo para outro, sem que
tal consideração inviabilize
interações convergentes e
comuns.
- c. Com efeito, a história se
constitui por uma
multiplicidade de sentidos
(tempos e espaços). De
certo modo, a inversão
radical da fórmula
ciceroniana proposta por
Fernando Catroga
parece-me oportuna aqui:
“a vida é mestra da
história”
- 6. HIPÓTESES:
- a. Duas hipóteses servem de
premissas a este ensaio e à pesquisa
como um todo. A hipótese geral é de
caráter existencial e pode ser
formulada, no caminho aberto por
Koselleck, do seguinte modo:
perguntemo-nos por aquilo que é
caracterís - tico de todos os seres
humanos, aquilo que é característico
de alguns seres hu - manos, ou
aquilo que é característico de apenas
um ser humano .
- b. A hipótese específica deste estudo pode ser
formulada nos seguintes termos: as ondas de
recepção da história como historia magistra vitae
desde o mundo antigo ao século XXI obedecem a
princípios de apreensão marcados pelo tempo
presente do historiador. Porém, minha suposição
é a de que o século XIX, seja como ciência, seja
como saber disciplinar, foi o ponto fulcral, no qual
a historiografia marcada pela historia magistra
vitae oscilou entre o quase desaparecimento e
invisibilidade e sua ressurgência paradoxal em
outros termos: como crença e discurso gêmeo à
descontinuidade histórica. Daí sua força e
fraqueza. Força pois ainda hoje é uma crença com
potencial mobilizador. Fraqueza pois a crença
esgota-se nas paredes do presentismo ou talvez
do “atualismo” (Hartog, 2013; Munslow, 2010;
Araújo e Pereira, 2016)
- 8.
CONCLUSÃO
PROVISÓRIA:
- a. A HISTÓRIA NÃO SE REPETE, MAS SE REESCREVE:
Não estou convencido de que a história se repita,
mas não tenho convicção de que os historiadores
não se repitam. Contudo, a experiência golpista pela
qual passamos hoje, 2017-2018, não estaria apta a
despertar a história de seu sono dogmático? A
história como tribunal, como valor nacional e como
expectativa de redenção foi recentemente reativada
no debate público. E com certeza não foi um Hume
brasileiro que acordou um Kant brasileiro. Uma
“inquietante fami - liaridade”, como diria Certeau, se
reinstala (Certeau, 1987b: 84). A história parece ter
retornado. Porém, menos pesquisada e mais
retórica. Menos historia magistra vitae e mais
justiceira. Menos teórica e mais experiência. Menos
falsificável e mais manipulável. Finalmente, menos
história e mais memória.
- 7. A NAÇÃO ONTEM E HOJE:
- a. Impõe-se aqui consideramos uma
companheira milenar da história: a
memória. Sustento a ideia de que
vivemos uma espécie de era da
memória , que se impôs pelos quatro
cantos do mundo, inclusive,
obviamente, no Bra - sil. Se antes
cabia à História (com maiúsculo), com
base em sua autoridade e tradição,
explicar, julgar e condenar, hoje, à
memória está reservado um lugar
equivalente. Ela está autorizada a
falar pela história, posto que se
converteu em direito e dever .
- b. Direito à memória e dever de memória
são expressões que evocam o passado e
fazem-no ressurgir no presente, quase
como uma sino - nimia deformada da
historia magistra vitae . Esse ressurgimento
ocorre não apenas ou necessariamente pela
mão dos historiadores, que se veem ameaça
- dos em seus domínios por uma plêiade de
outros profissionais, também eles atingidos
pela onda memorial: cientistas políticos,
antropólogos, sociólogos, economistas,
demógrafos, jornalistas, designers ,
marqueteiros, blogueiros etc. invadem a
cena pública e retiram dos historiadores o
monopólio sobre o pas - sado, que eles
sempre tiveram, e do presente, que eles
buscavam, timidamen - te, incorporar a seus
domínios.
- c. A REESCRITA DA HISTÓRIA: Quanto à nação
como problema político e historiográfico, boa
parte dos temas levantados, documentados e
tratados pelo século XIX foram desenvolvidos
tanto em trabalhos que se tornaram clássicos
como, principalmente, pela historiografia
acadêmica que chega a um ponto de esmiuçar
o detalhe. Não há, praticamente, tema
proposto no XIX que não tenha sido, de uma
forma ou de outra, de modo mais ou menos
profundo, reinterpretado posteriormente. A
reescrita da história é uma forma de inovação,
mas, regra silenciosa do nosso lugar de
produção intelectual, é também uma das
maneiras mais eficazes de transmissão
memorial da tradição disciplinar, bem como de
silenciamentos temáticos e de censuras
epistemológicas (Certeau, 1975: 40-62, 65-79).
- d. Assim, se a finitude da experiência humana remete, como assinalava Heidegger, à sua
temporalidade e essa às valências históricas de cada situação (Heidegger, 2006), então como pensar
nossa contemporaneidade, na qual o passado na mesma medida em que é investigado é esquecido
como experiência, o presente é imobilizado em si mesmo como se resguardasse ou afastasse a história
da ideia de presença e o futuro encontra-se destituído de imagens e cores? Em resumo, qual o espaço,
neste contexto, para a crença na historia magistra vitae ? Parece chegado o momento de nos
perguntarmos, mais uma vez e de modo menos poético, o que aconteceu com a história da nação
brasileira, ou: que país é este? [...] Logo, se a história não é mais mestra, não é mais serva, e parece
regida por princípios memoriais, então não seria oportuno estudos que se preocupem com as
diferentes formas da experiência historiográfica atingir a vida e a vida atingir a experiência
historiográfica?