Texto I
AULAS DE PIANO
1A primeira vez que pousei meus dez dedos sobre
o teclado de uma máquina de escrever (na época,
claro, não havia computador), fui tomada por uma
mistura de prazer e reconhecimento. Era como se ti-
5vesse encontrado meu lugar no mundo. Isso aconte-
ceu quando eu era adolescente – não lembro exata-
mente quando, nem onde – e talvez fosse um sintoma
de que eu me tornaria, muito tempo depois, escritora.
Mas na hora, interpretei de outra forma: achei que
10aquela sensação boa vinha do fato de eu ser uma
pianista frustrada. Assim, colocando os dedos sobre
as teclas da máquina, eu satisfazia, ao menos em
parte, o desejo nunca alcançado de dominar outras
teclas, as musicais.
15Sempre senti muitíssimo por não ter aprendido
piano. Não sei o que aconteceu. Meu pai se diz ele
próprio um pianista frustrado e poderia ter resolvido
isso através de mim, mas não o fez. Estudei balé
clássico, moderno, sapateado, cantei em coral, fiz
20aula de música na escola, mas, por uma razão ou por
outra, nunca me puseram para aprender piano.
Quando cresci e estava para fazer vestibular,
sem ter ideia de que carreira escolher, fiz um teste
vocacional que, para minha imensa surpresa, deu
25arquitetura e música. Eram de fato duas áreas de
interesse para mim. Foi como se o teste vocacional
tivesse desvendado meus desejos secretos. Fiquei
perturbada, mas acabei dando as costas para o re-
sultado e fazendo jornalismo. Os anos se passaram e
30a frustração se solidificou.
Pois agora isso vai mudar. Ou já está mudando.
Tenho a comunicar que – aos 58 anos – comecei a ter
aulas de piano. [...]
Aos poucos, vou reconhecendo as teclas, ga-
35nhando intimidade com elas, percebendo as nuances
dos sons, as diferenças entre as teclas brancas e
pretas. Meus dedos já se encaminham sozinhos para
determinadas posições, como se tivessem sensores
próprios. [...]
40Dizem que, quando chegamos a uma certa ida-
de, é bom aprendermos coisas novas para exercitar o
cérebro. Não sei se isso é cientificamente comprova-
do, mas aprender a tocar está sendo para mim uma
delícia.
45Acho que nunca vou conseguir fazer piruetas pa-
tinando, nem sapatear tão bem quanto o Fred Astaire
(duas outras frustrações minhas), mas, se conseguir
tocar uma dúzia de canções ao piano, já ficarei com-
pletamente feliz.SEIXAS, Heloisa. Aulas de Piano. Seleções do Reader’s Digest, Rio de Janeiro, p. 37-38, fev. 2011. Adaptado.
Em que frase o verbo está conjugado de acordo com a norma-padrão?
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