Em Fernando Pessoa, há uma personalidade poética ativa, designada de ortónimo, que conserva o nome do seu criador e uma pequena humanidade, formada por heterónimos, que correspondem a personalidades distintas.No ortónimo, coexistem duas vertentes: a tradicional, na continuidade do lirismo português, e a modernista, que se manifesta como processo de rutura. Na primeira, observa-se a influência lírica de Garrett ou do sebastianismo e do saudosismo, apresentando suavidade rítmica e musical, em versos geralmente curtos; na segunda, encontramos experimentações modernistas com a procura da intelectualização das sensações e dos sentimentos. A poesia, a cujo conjunto Pessoa queria dar o título Cancioneiro, é marcada pelo conflito entre o pensar e o sentir, ou entre a ambição da felicidade pura e a frustração que a consciência-de-si implica. Pessoa considera que a arte “é o resultado da colaboração entre o sentir e o pensar”. Daí a sensibilidade a fornecer à inteligência as emoções para a produção do poema. Para exprimir a arte, o autor criativo precisa de intelectualizar o sentimento, o que pode levar a confundir a elaboração estética com um ato de “fingimento”. O poeta parte da realidade mas só consegue, com autêntica sinceridade, representar com palavras ou outros signos o “fingimento”, que não é mais do que uma realidade nova.
O fingimento artístico não impede a sinceridade, apenas implica o trabalho de representar, de exprimir intelectualmente as emoções ou o que quer representar.O conceito de fingimento é o de transfigurar, pela imaginação e pela inteligência, aquilo que sente naquilo que escreve. Fingir é inventar, elaborar mentalmente conceitos que exprimem as emoções ou o que quer comunicar. Entrar no jogo artístico, fingir ao exprimir as emoções, mas com toda a dimensão de sinceridade, implica e explica a construção da poesia de ortónimo.A dialética da sinceridade/fingimento liga-se à da consciência/inconsciência e do sentir/pensar. Fernando Pessoa não consegue fruir instintivamente a vida por ser consciente e pela própria efemeridade. Muitas vezes, a felicidade parece existir na ordem inversa do pensamento e da consciência. Pessoa procura, através da fragmentação do eu, a totalidade que lhe permita conciliar o pensar e o sentir. A fragmentação esta evidente, por exemplo, em Meu coração é um pórtico partido, ou nos poemas intervencionistas Hora Absurda e Chuva Obliqua.
O intersecionismo entre o material e o sonho, a realidade e idealidade surge como tentativa para encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência.O tempo, na poesia pessoana, é um fator de degradação, porque tudo é efémero. Isso leva-o a desejar ser criança de novo. Mas, frequentemente, o passado é um sonho inútil, pois nada se concretizou, antes se traduziu numa desilusão. Pessoa sente a nostalgia da criança que passou ao lado das alegrias e da ternura. Chora, por isso, uma felicidade passada, para lá da infância. O ortónimo tem uma ascendência simbolista evidente desde os tempos de Orpheu e do Paulismo.
Para Fernando Pessoa, um poema “é produto intelectual”, e por isso, não acontece “no momento da emoção”, mas resulta da sua recordação. A emoção precisa de “existir intelectualmente”, o que só na recordação é possível. Há uma necessidade da intelectualização do sentimento para exprimir a arte. Ao não ser um produto direto da emoção, mas uma construção mental, a elaboração do poema confunde-se com um “fingimento”. Na criação artística, o poeta parte da realidade mas só consegue, com autentica sinceridade, representar com palavras ou outros signos o “fingimento”, que não é mais do que uma realidade nova, elaborada mentalmente graças à conceção de novas relações significativas, que a distanciação do real lhe permitiu.O fingimento não impede a sinceridade, apenas implica o trabalho de representar, de exprimir intelectualmente as emoções ou o que quer representar.
Fernando Pessoa não consegue fruir instintivamente a vida por ser consciente e pela própria efemeridade. Muitas vezes, a felicidade parece existir na ordem inversa do pensamento e da consciência.O pensamento racional não se coaduna com verdadeiramente sentir sensitivamente.A dialética da sinceridade / fingimento liga-se à da consciência / inconsciência e do sentir /pensar.A dor de pensar traduz insatisfação e dúvida sobre a utilidade do pensamento.
A nostalgia da infância
Frequentemente, para Fernando Pessoa o passado é um sonho inútil, pois nada se concretizou, antes se traduziu numa desilusão. Daí o constante ceticismo perante a vida real e de sonho.O tempo, na poesia pessoana, é um fator de degradação, porque tudo é efémero. Isso leva-o a desejar ser criança novamente.Pessoa sente a nostalgia da criança que passou ao lado das alegrias e da ternura. Chora, por isso, uma felicidade passada, para lá da infância. Há uma nostalgia do bem perdido, do mundo fantástico da infância, único momento possível de felicidade.
Na obra de Caeiro, há um objetivismo absoluto. Não lhe interessa o que se encontra por trás das coisas. Recusa o pensamento, sobretudo o pensamento metafísico, afirmando que “pensar é estar doente dos olhos”.Caeiro, poeta de olhar, procura ver as coisas como elas são, sem lhes atribuir significados ou sentimentos humanos. Considera que as coisas são como são. Constrói uma poesia das sensações, apreciando-as como boas por serem naturais. Para ele, o pensamento apenas falsifica as coisas.
Numa clara oposição entre sensação e pensamento, o mundo de Caeiro é aquele que se percebe pelos sentidos, que se apreende por ter existência, forma e cor. O mundo existe e, por isso, basta senti-lo, basta experimentá-lo através dos sentidos, nomedamente através do ver. Ver é compreender. Tentar compreender pelo pensamento, pela razão, é não saber ver. Alberto Caeiro vê com os olhos, mas não com a mente. Considera, no entanto, que é necessário saber estar atento à “eterna novidade do mundo”. Condena o excesso de sensações, pois a partir de um certo grau as sensações passam de alegres a tristes.Em Caeiro, a poesia das sensações é, também, uma poesia da natureza. Optando pela vida no campo, acredita na Natureza, defendendo a necessidade de estar de acordo com ela, de fazer parte dela. Pela crença na Natureza, o Mestre revela-se um poeta pagão, que sabe ver o mundo dos sentidos, ou melhor, sabe ver o mundo onde se revela o divino, em que não precisa de pensar. Ao procurar ver as coisas como elas realmente são, sublima o real, numa atitude panteísta de divinização das coisas da natureza.Nesta atitude panteísta de que as coisas são divinas, desvaloriza a categoria conceptual “tempo”. O poeta confessa não ter “ambições nem desejos”. Ser poeta é a sua “maneira de estar sozinho”.
Na poesia de Ricardo Reis, há um sentimento da fugacidade da vida, mas ao mesmo tempo uma grande serenidade na aceitação da relatividade das coisas e da miséria da vida. A vida é efémera e o futuro imprevisível. “Amanhã não existe”, afirma o poeta. Estas certezas levam-no a estabelecer uma filosofia de vida, de inspiração horaciana e epicurista, capaz de conduzir o homem numa existência sem inquietações nem angústias. Reconhecendo a fraqueza humana e a inevitabilidade da morte, Reis procura uma forma de viver com um mínimo de sofrimento. Por isso, defende um esforço lúdico e disciplinado para obter uma calma qualquer. Sendo um epicurista, o poeta advoga a procura do prazer sabiamente gerido, com moderação e afastado da dor. Para isso, é necessário encontrar a ataraxia, a tranquilidade capaz de evitar qualquer perturbação. O ser humano deve ordenar a sua conduta de forma a viver feliz, procurando o que lhe agrada. A obra de Ricardo Reis apresenta um epicurismo triste, uma vez que busca o prazer relativo, uma verdadeira ilusão da felicidade por saber que tudo é transitório. A apatia, ou seja a indiferença, constitui o ideal ético, pois, de acordo com o poeta, há necessidade de saber viver com calma e tranquilidade, abstendo-se de esforços inúteis para obter uma glória ou virtude, que nada acrescentam à vida. Próximo de Caeiro, há na sua poesia o sossego do campo, o fascínio pela natureza onde busca a felicidade relativa Discípulo de Alberto Caeiro, Ricardo Reis refugia-se na aparente felicidade pagã que lhe atenua o desassossego. Procura alcançar a quietude e a perfeição dos deuses, desenhando um novo mundo à sua medida, que se encontra por detrás das aparecias Afirma uma crença nos deuses e nas presenças quase - divinas que habitam todas as coisas. Afirma que os homens se devem considerar com direito a vida própria. Pagão por caráter e pela formação helénica e latina, há na sua poesia uma atualização de estoicismo e epicurismo, juntamente com uma postura ética e um constante diálogo entre o passado e o presente.
Síntese
O fingimento artístico
A dor do pensar
A nostalgia da infância
Alberto Caeiro
Ricardo Reis
Álvaro Campos
Álvaro de Campos, a refletir a insubmissão e rebeldia dos movimentos vanguardista da segunda década do século XX, olha o mundo contemporâneo e canta o futuro.Álvaro de Campos é o poeta, que, numa linguagem impetuosa, canta o mundo contemporâneo, celebra o triunfo da máquina, da força mecânica e da velocidade. Dentro do espírito das vanguardas, exalta a sociedade e a civilização modernas com os seus valores e a sua “embriaguez”. Diferentemente de Caeiro, que considera a sensação de forma saudável e tranquila, mas rejeita o pensamento, ou de Ricardo Reis, que advoga a indiferença olímpica, Campos procura a totalização das sensações, conforme as sente ou pensa, o que lhe causa tensões profundas. Como sensacionista, é o poeta que melhor expressa as sensações da energia e do movimento, bem como as sensações de “sentir tudo de todas as maneiras”. Para ele a única realidade é a sensação. Em Campos há a vontade de ultrapassar os limites das próprias sensações, numa vertigem insaciável, que o leva a querer “ser toda a gente e toda a parte”. Numa atitude unanimista, procura unir em si toda a complexidade das sensações.O desassossego de Campos leva-o a revelar uma face disfórica, a ponto de desejar a própria destruição. Há aí a abulia e a experiencia do tédio, a deceção, o caminho do absurdo. Incorporando todas as possibilidades sensoriais e emotivas, apresenta-se entre o paroxismo da dinâmica em fúria e o abatimento sincero, mas quase absurdo. Depois de exaltar a beleza da força e da máquina por oposição à beleza tradicionalmente concebida, a poesia de Campos revela um pessimismo agónico, a dissolução do “eu”, a angústia existencial e uma nostalgia da infância irremediavelmente perdida. Na fase intimista de abulia, observa-se a disforia do “eu”, vencido e dividido entre o real objetivo e o real subjetivo que leva à sensação do sonho e da perplexidade. Verifica-se, também. A presença do niilismo em relação a si próprio, embora reconheça ter “todos os sonhos do mundo”.
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