O trabalho tem muitos significados. Além de promover a
transformação da natureza e a sobrevivência, o trabalho nos
possibilita pertencer a uma coletividade, construir nossa
identidade e aperfeiçoar nossos conhecimentos.
Os filósofos gregos antigos observavam, em linhas gerais, dois
principais caminhos para a atividade humana do trabalho.
TRABALHO COMO AÇÃO - o conjunto de atitudes e esforços de
sobrevivência do ser humano para alterar o ambiente, o que o
aproxima dos animais. TRABALHO COMO UTILIDADE - quando a
atividade humana produz transformação, muda a natureza,
altera o valor das coisas e muda a própria humanidade.
Platão propôs na obra A República que a cidade justa era
composta de três classes sociais que correspondiam a três
estados da alma: o desejo, a emoção e a razão. Segundo Platão,
os reis (filósofos) e os administradores eram os que
trabalhavam com a razão, e, portanto, possuíam a alma
racional. Os guerreiros eram guiados pelas emoções e pelo
voluntarismo e, logo, deveriam ser os guardiões da cidade, pois
possuíam uma alma irascível, sempre disposta a defender a
cidade. Já os trabalhadores, que eram dedicados à produção,
possuíam a alma concupiscível, trabalhavam com o corpo e por
meio do esforço físico, e, assim, eram controlados pelos desejos
e paixões e pela busca de prazeres imediatos. Portanto, o
filósofo associava o trabalho de artesãos e produtores a um
estágio de alma em desenvolvimento, inferior.
Aristóteles, para quem trabalhar era atribuição dos escravos e
dos produtores, não sendo ato digno da aristocracia. Esta
deveria se dedicar ao ócio, à filosofia, aos assuntos políticos e
aos rumos da cidade. O filósofo também abordou uma
característica essencial do trabalho humano: a transformação.
O trabalho é a atividade humana que transforma a mudança no
principal objetivo da existência.
De acordo com o pensamento grego, o trabalho e o esforço físico
eram uma condição social associada ao baixo desenvolvi- mento
da alma, o que justificava a escravidão. Com o fim da
Antiguidade e ao longo da história ocidental, as sociedades
foram se organizando em diferentes contextos, mas
permaneceu uma divisão essencial entre proprietários e a
classe trabalhadora que realiza a produção para sustentar a
base da sociedade.
O filósofo alemão Friedrich Hegel, mostrou que existe uma
interdependência entre se- nhor e escravo, ou seja, uma relação
dialética. O senhor vive com liberdade, mas não produz para
saciar as suas necessidades. Já o escravo vive no reino da
necessidade, porque é uma alma que deseja, mas vive sem
liberdade.
Para a filósofa Hannah Arendt, as sociedades construíram
diferentes significados para o trabalho. Em sua obra A condição
humana, a autora se baseou na natureza do trabalho para
compreender a vida humana na modernidade, fazendo uma
releitura dos valores e preconceitos gregos. Sua análise foi
baseada em três atividades fundamentais: labor, poiesis e
práxis
LABOR - é a atividade biológica e o esforço físico do ser humano
para manter sua vida e sua reprodução como espécie. Para a
autora, a condição humana da atividade laboral é a vida e o ser
humano é o animal laborans, expressão que remete ao animal
de alma concupiscente que, segundo Platão, é movido por
desejos e paixões.
POIESIS - palavra grega que deu origem à palavra poesia. Esse
segundo sentido do trabalho para Hannah Arendt corresponde
à capacidade do ser humano de criar ferramentas, artifícios e
estratégias para enfrentar o desafio de modificar o ambiente.
PRÁXIS - é a capacidade de organizar a atividade social do
trabalho e transformar o mundo pelas ideias. O instrumento da
práxis é o discurso, a palavra e a busca da liberdade e do
aprimoramento do ambiente social.
Segundo o sociólogo brasileiro Ricardo Antunes, antes do
capitalismo, o trabalho era considerado um sistema de me-
diação de primeira ordem, ou seja, a relação do ser humano
com a natureza era tão forte e direta que o trabalho tinha
apenas o sentido de uma conexão com a terra e com o ritmo das
estações.
Um exemplo é o de sociedades tradicionais da Amé- rica andina,
de origem quéchua e aymara, povos para os quais a infância é
celebrada com ritos de passagem que inserem crianças e jovens
nos eventos da comunidade. O trabalho com a terra é visto
como uma comunhão para as famílias.
ARTESANATO - uma das primeiras formas de trabalho a
dignificar atividades e funções que eram associadas às classes
inferiores. Os artesãos passaram a se reunir em corporações de
ofícios, onde foi sendo construída uma ética do trabalho e um
conjunto de valores de classe. Nas corporações, os aprendizes
deveriam obedecer aos mestres.
As corporações passaram a adotar rotinas de produção mais
complexas e construir grandes espaços para abrigar essa
estrutura produtiva, o que as fez derivar no modelo das
MANUFATURADOS. As manufaturas foram se desenvolvendo,
sobretudo por meio da gradativa incorporação de máquinas
experimentais, como os teares mecânicos.
Esse cenário foi o pano de fundo para as revoluções industriais.
Foram se estabelecendo, então, as maquinofaturas, símbolo do
modo de produção capitalista.
Max Weber, também analisou o significado do trabalho como
fator essencial para compreender a modernidade. Para o autor,
o capitalismo foi fruto de uma renovação cultural do sentido
religioso do trabalho. Na ética protestante dos grupos
calvinistas de peregrinos puritanos que colonizaram o Novo
Mundo, estava presente a semente do espírito do capitalismo.
Hábitos guiados por essa nova ética poderiam promover a
ascensão social e individualizar os desejos da classe
trabalhadora. Cálculo, moderação, previsibilidade e
racionalidade foram introduzidos pela religiosidade, mas se
encaixaram perfeitamente como valores do mundo do
capitalismo.