TEMPO, HISTÓRIA E A ESCRITA DA HISTÓRIA: A ORDEM DO TEMPO* François Hartog 10/05/2022
Description
O artigo procura circunscrever historicamente uma série de reflexões
que a experiência da temporalidade situa para o historiador contemporâneo a partir da proposição da noção de regime de historicidade, especialmente contrapondo sua formulação moderna, estruturada pela idéia
de Progresso, à antiga, polarizada pelo topos da historia magistra vitae.
TEMPO, HISTÓRIA E A ESCRITA DA
HISTÓRIA: A ORDEM DO TEMPO*
François Hartog 10/05/2022
1) INTRODUÇÃO: CONTRAPONTO DA FORMULAÇÃO DA HISTORICIDADE
MODERNA BASEADA NO PROGRESSO PELA HISTORICIDADE ANTIGA,
BASEADA NA "HISTÓRIA MAGiSTRA VITAE (Cícero, em De Oratore)
1.2. FORMULAÇÃO MODERNA: História "narrativa" para história
"acontecimentos" ou Geschichte (Begebenheit); O novo termo
alemão Geschichte propunha-se a repensar a História como um
campo do conhecimento que não se limitaria apenas a narrar o
passado, mas a criticá-lo, analisá-lo e compreendê-lo, pois até
então não havia essa preocupação pelos historiadores. (Kosseleck)
Época: após o século XIX - Alemanha e França
Tempo: LINEAR: expressão do PROGRESSO - PROCESSO E TEMPO
DIRECIONADO A UM FIM; Estudo da História com metodologia e uma
teoria, como ciência. A História não seria uma mera narrativa de
exemplos, especialmente exemplos provenientes dos grandes homens e
dos grandes feitos, mas a História deveria ser vista como um
conhecimento sobre o passado passivo de interpretação, análise e
avaliação, pois embora o estudo de história trate de informações, nem
todas as informações são úteis ou de significância relevante.
1.1. FORMULAÇÃO ANTIGA: HISTÓRIA MAGISTRA VITAE (mestra da vida).
- REFLEXÕES SOBRE A EXPERIENCIA DA TEMPORALIDADE; "Cícero quisera
dizer que a função da História era ser um repositório, um manual, uma
professora, que através dos exempla (exemplos, experiências) teria lições
a ensinar as pessoas. Para ele, conhecer a História, era se deparar com as
ações de várias pessoas, ações essas que repercutiram em êxito ou
fracasso, em vitória ou derrota; na prática, a História teria uma função
pedagógica, de instruir o individuo a pensar acerca de seu presente e
planejar seu futuro tendo como base o passado, algo que o historiador
alemão Reinhart Koselleck (1923-2006) chegou a chamar de "futuro
passado". " "Seguindo os Passos da História", de Leandro Vilar
Época: século I a.C até o século XIX, com TOPOS no
RENASCIMENTO, ênfase na imitação dos antigos
Tempo: CÍCLICO (povos antigos - gregos, romanos, astecas,
nuers, ...), em que o passado se repetiria no futuro, de
modo que as lições do passado evitariam erros no futuro
Link de referência:
https://seguindopassoshistoria.blogspot.com/2014/04/historia-magistra-vitae.html
2) REGIME DE HISTORICIDADE: Na história
magistra, a exemplaridade vinculava o
passado ao futuro - tempo circular. Na
moderna concepção de história, a
exemplaridade cede lugar ao unívoco
(único sentido, tempo linear).
2.2 Como compreender o passado
vendo o futuro - viagem de Tocqueville
aos EUA para estudar a democracia na
América
2.1. Em 1726 Abbé Rollin publica Traité des
Études, em que dizia que "a história é a
escola comum de toda raça humana"
3) A PRÉ HISTÓRIA DA HISTORICIDADE: GRANDE
IMPORTÃNCIA DA ESCRITA; NA MESOPOTÂMIA com
Oráculos exemplares, que poderiam ser oráculos
históricos (registros descritivos de presságios) e na
GRÉCIA com POEMAS ÉPICOS (memória social)
3) MOMENTOS DE QUESTIONAMENTO DE REGIME DE
HISTORICIDADE: SÉCULO XVI , Todos exemplos à seguir
têm em comum uma grande preocupação acerca do
TEMPO. Eles tentam simultaneamente confiar na
historia magistra (notadamente de modo polêmico) e,
ao mesmo tempo, questioná-la profundamente,
3.2 Em 1575, Loys le Roy, humanista bem
conhecido, publicou De la vicissitude ou
variété des choses en l’univers. O livro
baseia-se na historia magistra e ao mesmo
tempo a desafia, ao tentar provar a
superioridade do presente.
3.3 Em 1580 foram publicados os dois primeiros
livros dos Ensaios de Michel de Montaigne. “Por
diversos meios chega-se a igual fim” e “Acerca da
Experiência”. Por fim, “a vida de César não
comporta mais exemplos do que nossa própria
vida”
3.1. Em 1566 Bodin publica O Método da História,
deparamo-nos com Cícero e sua historia
magistra: “É graças à história que o presente é
facilmente explicável, que penetramos no futuro
e que obtemos indicações bem seguras sobre o
que convém procurar e evitar”, mas no final do
livro, Bodin está menos seguro da validade da
historia magistra
3.4 Todavia a história magistra sobreviveu aos
questionamentos devido ao lugar das igrejas e às
monarquias absolutistas, mas começou a se
dissolver com Francois Renné Chateubriand e as
questões sobre previsão do futuro da Revolução
4) QUESTIONAMENTOS E CRISE DO
REGIME MODERNO; Revisionismo da
historia moderna face a história
magistra - SÉC. XX
4.1. Historia magistra apresentava a história do ponto
de vista do passado. Pelo contrário, no regime
moderno, a história foi escrita, teleologicamente (COM
A FINALIDADE DE) , do ponto de vista do futuro.
4.2. Walter Benjamin; Entre 1920 e sua morte
em 1940; ele tinha em mente elaborar um
novo conceito de história, que romperia com a
crença no progresso e com a ideia de que a
humanidade avança em um tempo linear e
homogêneo. O PROFETA DO PASSADO"
4.3. Paul Valéry; A grosso modo,
qualquer uso da história para enfrentar
uma situação presente ou para
conformar o futuro constitui um abuso,
porque a história escrita pelos
historiadores nada mais é do que
GÊNERO LITERÁRIO.
4.5. ABORDAGEM COMPARATIVA: "Escrever uma história dominada pelo ponto de vista do futuro,
como uma teleologia, não é mais possível; restaurar a antiga historia magistra poderia ser
tentador, mas intelectualmente, e não intelectualmente, não muito satisfatório! E o presente
mesmo, como acabamos de ver, não é um chão seguro." Assim o historiador não tem escolha, a
não ser edificar um (seu) ponto de vista tão explicitamente quanto possível.
4.4. VOLTA AO PASSADO? : Outra fenda apareceu por meados
dos anos setenta: questão da identidade, busca pelas raízes,
uma ânsia de memória, preocupada com o “patrimônio”,
atormentada pela conservação de monumentos, de lugares
antigos ou não tanto, a preservação da natureza. Ansiosa
com a recuperação do que fora perdido, ou estava para ser
perdido ou inquietação com o que fora “esquecido”
(especialmente a memória da II Guerra Mundial).
5) CONCLUSÃO: Como
escrever a história sem
apresentar a nação como
um paraíso perdido?
Reabrir o passado, e
olhá-lo como um conjunto
de passados que foram
uma vez futuro possível e
mostrar como a via do
Estado nacional, com sua
historiografia nacional ou
nacionalista, geralmente
foi a vencedora.