Created by Inês Sampaio
over 3 years ago
|
||
João Baptista da Silva Leitão (mais tarde, de Almeida Garrett) nasceu no Porto, em 1799. Aí passou a primeira infância, num caloroso ambiente burguês que lhe deixaria gratas recordações. Aos 10 anos parte com a família para os Açores, onde inicia a sua formação literária, sob a tutela do tio frei Alexandre da Sagrada Família, bispo de Angra. Em 1816 ingressa na Universidade de Coimbra, para seguir estudos de Leis. A vivência académica seria determinante na sua iniciação política e filosófica. Ainda estudante, participa no movimento conspirativo que conduziria à revolução de 1820. Paralelamente, despontava, irreverente, a vocação literária. No período conturbado que se seguiu, o trajeto pessoal do escritor (já casado com uma menina elegante, Luísa Midosi) entrelaça-se com a história política do Liberalismo. A revolução foi um breve momento de entusiasmo liberal, logo desfeito pela chegada ao poder da fação conservadora, que apoiava o infante D. Miguel. Garrett foi obrigado a deixar o País (entre 1823 e 1826), situação que se repetiria pouco tempo depois (1828-1831), na sequência da abdicação de D. Pedro. No entanto, o escritor encontra na circunstância penosa do exílio uma oportunidade intelectualmente vantajosa. A permanência em França e Inglaterra permitiu-lhe conhecer o movimento cultural europeu, na sua dimensão artística e ideológica. A publicação (ainda em Paris) dos poemas Camões e Dona Branca — os primeiros textos românticos portugueses — constitui o resultado mais simbólico e expressivo dessa experiência. O regresso a Portugal, em 1832, integrando a expedição liberal comandada por D. Pedro, constituiu um momento heroico para o «poeta-soldado», que se incorpora no Batalhão Académico. Garrett foi chamado a participar nas reformas legislativas do novo regime, mas pouco depois afastado do poder, sob pretexto de missões diplomáticas no estrangeiro. Voltará à cena política em 1836, no contexto da «Revolução de Setembro», pela mão de Passos Manuel: faz parte das Cortes Constituintes e ajuda a redigir a Constituição de 1838. Além de deputado, desempenha também um papel relevante no programa de educação cultural setembrista, designadamente na renovação da dramaturgia nacional: empenha-se na criação da Inspeção-Geral dos Teatros, do Conservatório de Arte Dramática e do futuro Teatro Nacional. Durante os anos 40, sob o regime autoritário de Costa Cabral, Garrett destaca-se na oposição. Descontente com o devir da revolução, afasta-se da vida pública em 1847. Desse desencanto patriótico dão significativo testemunho algumas obras publicadas neste período, o mais fecundo da criação literária garrettiana: O alfageme de Santarém, Frei Luís de Sousa, Viagens na minha terra e O arco de Sant'Ana. Em 1851 regressa ao Parlamento, já sob a acalmia política da Regeneração. Recebe nesta derradeira fase da vida alguns gestos oficiais de consagração: é feito visconde, em 1851, e nomeado Par do Reino, no ano seguinte; chega ainda a ocupar um cargo ministerial (Negócios Estrangeiros), de que seria demitido pouco tempo depois. Morreu a 9 de dezembro de 1854, depois de uma vida sentimental romanticamente atribulada. Adaptado de: Maria Helena Santana, «Almeida Garrett», Instituto Camões, Centro Virtual Camões, http://cvc.instituto-camoes.pt/figuras/agarrett.html
Ancorada no tempo histórico do Liberalismo, a obra literária garrettiana não pode conceber-se alheada do contexto político e cultural que a motivou. Da mesma circunstância decorre a orientação «iluminista» e eticamente empenhada do seu trajeto literário, por entender que «o poeta é também cidadão». A poesia lírica e narrativa dominaria a primeira fase da sua carreira, ainda oscilante entre a lição do Neoclassicismo convencional e a nova corrente romântica, de inspiração nacionalista. Depois do controverso O Retrato de Vénus (1821), publica, no exílio, os poemas Camões (1825) e Dona Branca (1826) — textos fundadores do Romantismo português —, a que se seguiria a coletânea Lírica de João Mínimo (1829). Começou também nesta fase o trabalho de recolha e preparação dos textos do cancioneiro tradicional português, fonte inspiradora dos poemas narrativos « Bernal francês» e «Adozinda» (1828), e posteriormente do Romanceiro (1843; 1851). A par da produção literária, o jornalismo ocupa neste período um lugar importante na sua escrita. Garrett cedo se apercebeu do imenso poder democratizador da imprensa nas sociedades modernas. Datam também dos tempos do exílio dois importantes ensaios: Da Educação (1829), um tratado de filosofia pedagógica dedicado à futura rainha D. Maria II; e Portugal na balança da Europa (1830), uma notável reflexão de índole histórico-política. A fase da maturidade (década de 40, sobretudo) seria particularmente fecunda, do ponto de vista literário. Garrett atribuía ao Teatro uma alta função civilizadora, e empenhou-se intensamente na sua renovação. Queria uma produção nacional de qualidade, suscetível de elevar o gosto e a cultura do público. A vocação dramatúrgica, revelada na juventude (as tragédias Catão, Lucrécia e Mérope), conhece a partir de 1838 um novo élan, com o êxito de Um auto de Gil Vicente. Seguir-se-ia um conjunto de peças que modelizam, em diferentes géneros, a sua eclética veia teatral: o drama histórico — O alfageme de Santarém, Frei Luís de Sousa, D. Filipa de Vilhena — e a comédia — Falar verdade a mentir, Profecias do Bandarra, Um noivado no Dafundo, entre outras. Frei Luís de Sousa (1844) é, sem dúvida, a peça que melhor realiza o seu ideal de sobriedade artística: combinando o pathos da tragédia clássica com a atualidade vivencial do drama familiar, constitui um texto modelar da literatura dramática nacional. A poesia lírica, embora continue em certos aspetos datada, conhece também uma renovada inspiração. Das duas coletâneas poéticas desta fase — Flores sem fruto (1845) e Folhas caídas (1853) —, a última é sem dúvida a mais interessante, e onde mais livremente se expande o individualismo romântico. Apesar de escassa, a obra romanesca de Garrett tem um rasgo inconfundível de originalidade. Viagens na minha terra (1843-1846) pode considerar-se a primeira narrativa moderna portuguesa: utilizando um estilo desenvolto e informal, em diálogo permanente com o leitor, o autor realiza, à maneira de Stern, uma obra-prima de ironia intelectual; sob o pretexto de uma crónica de viagem (que também é), oferece-nos uma ampla e lúcida representação do tempo histórico e social do Liberalismo. Idêntica estrutura digressiva e aparentemente desconexa caracteriza o romance histórico O arco de Sant'Ana (1845-1851), um texto polémico e repassado de humor, cuja ação se reporta a uma revolta popular contra o bispo do Porto, no século XIV. Adaptado de: Maria Helena Santana, «Almeida Garrett», Instituto Camões, Centro Virtual Camões, http://cvc.instituto-camoes.pt/figuras/agarrett.html
A dimensão histórico-cultural, a variedade temática e mesmo algumas contradições ideológicas fazem do Romantismo um período literário de complexa e árdua caracterização. O tempo do Pré-Romantismo, fase inicial do período, revela autores e temas decisivos para a formação do Romantismo. A identificação com a natureza, lugar de autenticidade e pureza, a vivência do sentimento do amor, sentimento angustiado e fatidicamente resolvido, a valorização emocional e mesmo estética do sentimento religioso provêm do Pré-Romantismo e estendem-se ao Romantismo, em várias latitudes e registos. Com eles chegam também outros temas e comportamentos fundamentais: a rebeldia do herói romântico, a busca do absoluto (por exemplo: o absoluto amoroso), a ironia crítica e distanciadora, o culto da liberdade, a instabilidade gerada pelo vague des passions e pelo mal du siècle, a autenticidade por vezes aliada ao gosto do popular e do tradicional, noutros casos conjugada com a evasão para cenários exóticos ou para tempos medievais, e o dandismo antiburguês constituem alguns desses temas e comportamentos. O Liberalismo foi, pois, para muitos românticos, uma referência ideológica incontornável do Romantismo. Declarou-o expressamente Victor Hugo no famoso prefácio de Hernani: «O Romantismo», escrevia em 1830, «não existe levando-se tudo em consideração — e esta é a sua definição real — se não for encarado pelo seu lado militante, que é o do “liberalismo” em literatura». A liberdade de pensamento e de expressão, a fraternidade social, nalguns casos mesmo a apologia da soberania popular constituem valores que estreitamente se cruzam com a propensão individualista e idealista que caracteriza uma parcela significativa do Romantismo europeu; não por acaso, Lilian R. Furst conexionou o individualismo romântico com os ideais saídos da Revolução Francesa: «A afirmação da esmagadora importância do indivíduo representa, na verdade, o crucial ponto de viragem na história da sociedade e na da literatura. Desta crença nos direitos dos indivíduos decorrem os ideais de liberdade, fraternidade e igualdade que inspiraram a Revolução Francesa.» A par disso — e algumas vezes como consequência disso —, o Romantismo foi também ideologicamente nacionalista. Não esqueçamos que o tempo romântico corresponde à época de refundação e reafirmação de nacionalidades; e o envolvimento direto de escritores românticos em causas nacionalistas (em prol da independência da Polónia ou da Grécia, por exemplo) revela expressivamente o profundo significado romântico de tais causas, de certa forma na decorrência do culto da autenticidade a que já fizemos referência e em sintonia íntima com o valor da liberdade. Adaptado de: Carlos Reis, «Pré-Romantismo e Romantismo», O Conhecimento da Literatura. Introdução aos Estudos Literários, 2.ª ed., Coimbra, Livraria Almedina, 2008, pp. 422-427
Want to create your own Notes for free with GoConqr? Learn more.