Felizmente Há Luar! - Luís de Sttau Monteiro
Ficção: Um Homem Não Chora, romance,1960 Angústia para o jantar, 1961 E se For Rapariga Chama-se Custódia, novela 1966 Agarra o verão, Guida, Agarra o Verão, romance inédito que constituirá a base da telenovela Chuva na Areia, 1982Sua Excelência,1971
-Luís de Sttau Monteiro foi um homem que entendeu a vida como um desafio: o de conciliar uma profissão com o prazer e a liberdade de ser e estar. - - Nunca abdicou dos seus ideais, nomeadamente a defesa da liberdade, a luta contra a intolerância e as injustiças sociais, o que o levou a afirmar que, para ele, “a única coisa sagrada (era) ser livre como o vento”Em toda a sua obra revela estes três ideais que sobretudo se exprimem através da linguagem teatral.As temáticas presentes na obra Felizmente há luar! são exatamente a ânsia pela liberdade e a luta contra a intolerância e as injustiças sociais.
Paralelismo do tempo da história e do tempo da escrita Foi esta a forma que o escritor encontrou para ludibriar a censura oficial e poder criticar a sociedade portuguesa do seu tempo. As instituições da sociedade fascista são, assim, postas em causa pela critica da sociedade portuguesa do Antigo Regime. -Logo no início da peça, nas didascálias laterais, Sttau Monteiro apela para a necessidade de o leitor “entender, logo de entrada, que tudo o que se vai passar no palco tem um significado preciso” e “que os gestos, as palavras e o cenário são apenas elementos de uma linguagem a que tem de adaptar-se”. - Desta forma afirma que na peça Felizmente há luar! existe um paralelismo entre um passado histórico revisitado e a contemporaneidade portuguesa dos anos sessenta.
Espaço FísicoAo longo da peça surgem referências a espaços físicos reais, contextualizadores da ação e criadores de verosimilhança: Campo de Ourique “ Em Campo d'Ourique – já lá vão mais de dez anos – quando eu era soldado no regimento de Gomes Freire…” (na fala do Antigo Soldado) Cais do Sodré “No Cais do Sodré há um café, Excelência, onde se reúnem todos os dias os defensores do sistema das cortes…” (fala de Vicente dirigindo-se a D. Miguel) O Rato “ Tenho uma missão para si. Quero que se torne conhecido para os lados do Rato e que veja quem entra em casa do meu primo” (Fala de D. Miguel dirigindo-se a Vicente) Campo de Sant'Ana “Durante uns instantes ouve-se o latim dos padres que acompanham os presos ao Campo de Sant`Ana e veem-se os populares, sentados, a meia-luz.” “ Tenho o corpo no Rato e a alma em S. Julião da Barra (…)” S. Julião da Barra “ Que estará ele fazendo a esta hora, fechado numa cela em S. Julião da Barra?” (fala de Matilde interrogando-se acerca da detenção do General Gomes Freire de Andrade)Espaço SocialA articulação entre o espaço físico e o espaço social é conseguida pela utilização de objetos – símbolos e pela postura e comportamento de personagens que identificam os dois grupos socias em oposição: o grupo do poder e o do povo oprimido.Espaço do poder Interior - Presença de cadeiras figurativas do poder e riqueza. --Presença de um criado de libré. - Triunvirato: Beresford, D. Miguel e principal Sousa - Vestes imponentes do principal Sousa - Vaivém de delatoresEspaço do povo Exterior: rua Poucos adereços: caixote, boneca esfarrapada, sacos vazios. Povo indistinto Povo andrajosamente vestido Multidão de mutilados e doentes que pedem esmola. Presença constante de polícia vigilante, anunciada por som de tambores Ausência de liberdade em andar pela rua Prisão onde encerram Gomes Freire: masmorra de condições indignas
-O diálogo entre as três personagens mostra-nos, progressivamente, que Vicente orienta a sua vida em função do dinheiro e do poder – “Só acredito em duas coisas: no dinheiro e na força”. -Por isso, não tem pudor em afirmar que vende os seus ” irmãos”, porque eles lhe fazem lembrar a fome e a miséria em que nasceu - “…sempre que olho para eles me vejo a mim próprio: sujo , esfomeado, condenado à miséria por acidente de nascimento”. - Este “acidente” foi determinante para a revolta contra a sua condição – “A única coisa que me distingue de um fidalgo é uma coisa que se passou há muitos anos e de que nem sequer tive a culpa : o meu nascimento “.-O ato inicia-se com uma cena coletiva. - Do conjunto do povo, andrajosamente vestido, destacam-se Manuel, Rita, dois populares, uma velha e Vicente. O diálogo entre as personagens incide sobre a miséria em que vivem e a impotência de a solucionar, traduzida na interrogação de Manuel ”Que posso eu fazer?”. - O Som dos tambores, que se ouve ao longe , faz com que os populares comecem a falar de Gomes Freire de Andrade - “ Um amigo do povo! Um homem às direitas !” - Todos parecem adorar Gomes Freire, exceto Vicente que desconstrói a imagem do general como homem perfeito. O seu discurso é repleto de ironia , tentando mostrar aos que o ouvem que o general não é diferente dos outros poderosos, porque “ O que há é homens e generais”. -Entretanto, o povo dispersa com a chegada de dois polícias que vêm recolher informações e que se aproximam de Vicente.-Depois, os dois polícias comunicam a Vicente que o governador do reino , D. Miguel Pereira Forjaz , lhe quer falar para, provavelmente o incumbir de “uma missão especial”. Vicente imagina-se já chefe de polícias e, face ao comentário do primeiro polícia de que , tendo sido “os portadores da boa nova”, poderiam ser recompensados, lembra a arrogância dos poderosos , mesmo quando a sua origem é humilde. “ Ah! Ah! Ah! Os degraus da vida são logo esquecidos por quem soube a escada… Pobre de quem lembre ao poderoso a sua origem… Do alto do poder, tudo o que ficou para trás é vago e nebuloso. (…) Quem sobe, amigos, larga os homens e aproxima-se de Deus! Passa a ser julgado por outras leis…”D. Miguel dá uma missão a Vicente: vigiar a casa de seu primo, o general Gomes Freire de Andrade, para os lados do Rato. -Vicente sai e os” três reis do Rossio”, D. Miguel, o principal Sousa e o Marechal Beresford dialogam sobre o estado da nação, o perigo das novas ideias subversivas que destruirão o país e o “reino de Deus”. Chegam, então à conclusão de que é necessário encontrar um nome , alguém que possam acusar de ser o responsável pelo clima de insurreição que alastra pelo país. Andrade Corvo e Morais Sarmento, antigos companheiros do general e atuais delatores apresentam-se diante dos governantes, dando-lhes conta dos resultados das suas investigações , em troca de “algo mais substancial”.-De novo sós, os três governadores dialogam sobre o castigo a aplicar a quem ousa ser inimigo do reino, tomando forma a ironia de Beresford, que sem inibições , desprestigia os portugueses e assume sem pudor a sua sobranceria e o seu interesse meramente económico – “Pretendo uma única coisa de vós: que me pagueis - e bem!”. Pragmaticamente Beresford afirma que troca os seus serviços ( a reorganização do exército) por dinheiro. O principal Sousa confessa que a atitude do marechal lhe desagrada, mas que precisa dele para encontrar “o chefe da conjura”. - - Mais tarde Andrade Corvo, Morais Sarmento e Vicente indicam o nome do opositor, era general Gomes Freire de Andrade. Agora só resta a “Morte ao traidor Gomes Freire de Andrade”.
-Inicia-se com uma cena coletiva. - Manuel revela a sua impotência perante a prisão do general e constata que a situação de miséria em que vivem é ainda mais desesperante – “E ficamos pior do que estávamos… Se tínhamos fome e esperança, ficamos só com fome …”. - Os restantes populares acompanham-no no seu desalento, até uma nova intervenção policial, que dispersa o grupo. - Rita mostra a sua piedade relativamente a Matilde (tinha-a ouvido chorar após a prisão do seu homem) e suplica a Manuel que não se meta “nestas coisas”.-Matilde surge, proferindo um discurso solitário, em que relembra os momentos de intimidade vividos com o seu general e ironiza dizendo que, se o seu filho ainda fosse vivo, lhe ensinaria a ser cobarde e “ a cuidar mais do fato do que da consciência e da bolsa do que da alma.” - Sousa Falcão, “amigo inseparável de Matilde e de Gomes Freire”, surge diante de Matilde, confessando o seu desânimo e desencanto face ao país em que vive – “O Deus deste reino é um fidalgo responsável que trata como amigo o Pôncio Pilatos (…) Vive num solar brasonado e dá esmolas, ao domingo, por amor a Deus.” - Sousa Falcão despede-se de Matilde e parte em busca de notícias do amigo, deixando Matilde, chorosamente triste, mas com vontade de enfrentar o poder.- “Vou enfrentá-los. É o que ele (o general) faria se aqui estivesse”. - Diante de Beresford, que aproveita a situação para humilhar a mulher do general, Matilde suplica-lhe a sua libertação- “Quero o meu homem! Quero o meu homem, aqui ao meu lado!” -sem qualquer fruto. - Matilde desesperada, aproxima-se dos populares, que, indiferentes à sua presença, evocam Vicente, agora feito chefe da polícia. - No entanto, Manuel e Rita, após momentos de recriminação a Matilde, de que a oferta de uma moeda como esmola é símbolo, manifestam-lhe a sua solidariedade moral- “Não a podemos ajudar, senhora. Deus não nos deu nozes e os homens tiram-nos os dentes…”-Sousa Falcão reencontra-se com Matilde e revela-lhe que ninguém pode ver o general, já encarcerado numa masmorra sombria em S. Julião da Barra, sem direito a julgamento. Matilde, inconformada, recorda, então, a saia verde que o general um dia lhe oferecera em Paris e, como que recuperada do seu desgosto, decide enfrentar uma vez mais o poder. O seu objetivo é exigir um julgamento e, para isso dirige-se ao principal Sousa, desmontando a mensagem evangélica, para lhe mostrar quanto o seu comportamento é contrário aos ensinamentos de Cristo- “ Como governador, já perdoou a Cristo o que ele foi e o que ele ensinou?” -Sousa Falcão anuncia que a execução do general está próxima. Matilde, em desespero, pede, uma vez mais, pela vida do general e D. Miguel Forjaz informa que a execução se prolongará pela noite ,”mas felizmente á luar…” - Matilde inicia ,então, um discurso de grande intensidade dramática : dirige-se a Deus, interpelando-o e lembrando-lhe os seus ensinamentos e os resultados práticos desses ensinamentos- “Senhor: não pretendo ensinar-te a seres Deus, mas, quando chegar a hora da sentença não te esqueças de que estes sabiam o que faziam!” Os populares comentam a execução do general: recusaram-lhe o fuzilamento e vai ser queimado.
- O ato termina com Sousa Falcão e Matilde em palco: o amigo do general elogia-o; Matilde despede-se do homem que amou -“ Dá-me um beijo- o último na terra – e vai! Saberei que lá chegas-te quando ouvir os tambores!”, e lança palavras de coragem e ânimo ao povo – “Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira (…) felizmente há luar!”
Escrita numa época de tirania, ditadura e opressão, com o objetivo de levar o publico leitor a refletir sobre as circunstancias da situação política que se vivia no momento (1961), poder-se-á dizer que Felizmente há luar! Perdeu a sua eficácia argumentativa?O texto de Sttau Monteiro desenvolve uma serie de aspetos/temas que são universais e atemporais: - A luta por um ideal (liberdade); - A denuncia das injustiças sociais - A questão da religião: o ser e o parecer - A coragem - A lealdade - a condenação da opressão e da delação -a dimensão do verdadeiro patriotismo - A amizade - a condição feminina: a mulher com um papel ativo na sociedade - as diversas vertentes do amor: amor à pátria, amor à liberdade, amor - paixãoTrata-se de um texto engagé – como eu – à causa do homem, à causa da vida. ~ Luís de Sttau Monteiro
Vida e obra de Sttau Monteiro-Luís Infante de Lacerda Sttau Monteiro nasceu a 3 de Abril de 1926, em Lisboa, e morreu a 23 de Julho de 1993, na mesma cidade. -Viveu a sua infância e adolescência em Londres, onde o seu pai exerceu, durante as décadas de 30 e 40, as funções de embaixador de Portugal, até ser demitido por Salazar em 1943.- Teve um importante papel na divulgação da dramaturgia estrangeira, produzida nos anos 50/60, tanto como tradutor como encenador de peças de vários autores (como por exemplo William Shakespeare).
Principais obras publicadas
Temáticas mais comuns nas suas obras
A dualidade histórica
O espaço - físico e social
A ação da peça - Resumo do ato I
A ação da peça - Resumo do ato II
Conclusão
- Em 1961, foi preso pela PIDE (depois de ter sido alvo de várias perseguições). - Nesse mesmo ano (1961) publicava-se a peça de teatro Felizmente há luar!, que a Associação Portuguesa de Escritores distinguiu com o Grande Prémio de teatro no ano seguinte, mas que a censura do regime salazarista apreendeu de imediato. - Revelou-se um forte opositor ao regime fascista, dando guarida a vários amigos perseguidos pela polícia de estado. - Entre 1962 e 1967, desiludido com Portugal, autoexilou-se em Inglaterra, onde entrou num período de forte produção literária. -Sttau Monteiro desenvolveu uma intensa atividade jornalística em revistas como Almanaque e o suplemento “A Mosca”, do Diário de Lisboa que dirigiu até 1979. -Nos primeiros tempos da curta e ilusória “primavera marcelista”, As Mãos de Abraão Zacut, publicada em 1968, seria a primeira peça de Sttau Monteiro a representar-se, no Teatro Estúdio de Lisboa, em 1969.
Teatro:Felizmente Há Luar!,1961 Todos os Anos pela primavera,1963 O Barão, adaptação da novela de Branquinho da Fonseca para o teatro,1965 Auto da Barca do Motor Fora de borda,1966 A Guerra Santa,1967 A Estátua,1967 As Mãos de Abraão Zacut,1968
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