Criado por Alessandra S.
aproximadamente 11 anos atrás
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Capitulo I Apresentação dos personagens fundadores do Cortiço. O livro começa apresentando João Romão, fala de sua vida, e de uma vizinha, que é quem cozinha pra ele a Bertoleza. Ela era uma negra e escrava, que ainda pagava vinte mil-réis a seu dono pela sua liberdade, que logo depois morreu. João era seu amigo, mais que amigo, ele cuidava de todo o dinheiro dela, e eles se aproximaram e até moravam juntos. Ele não gastava quase nada, e guardava tudo que ganhava com a negra no banco, para juntar. E conseguiram juntar um bom dinheiro e foram comprando casas, e essas casinhas foram o ponto de partida do Cortiço de São Romão que depois foi crescendo as casas e os moradores. Um dos primeiros moradores de lá foi seu Miranda com sua esposa Dona Estela e sua filhinha Zulmira, Dona Estela era adultera e ele só não se separaram porque ele tinha medo do escândalo e além de o dote de seu casamento ser o sustento dele e ele não se imaginava sem nada de novo. Eles apenas se separaram por leitos, ou seja, não dormiam juntos e depois que a filha deles nasceu foi pior, pois a mulher não tinha um amor pela criança por ser fruto desse casamento infeliz e o Miranda não acreditava que a menina era mesmo filha dele. Miranda depois teve uma briga com o João Romão, pois João não queria lhe vender um pedaço da terra para Miranda fazer um quintal, e depois brigou de novo, pois Miranda não gostava de como ali virava um Cortiço lotado de casas e moradores. Já se tinha 95 casas. Capitulo II O capitulo continua contando a vida de Miranda e do Cortiço, mostra que ele fez riqueza mais tinha muita inveja de João por ser rico e ter construído O Cortiço. O capitulo conta a Historia de Henrique que veio estudar medicina, ele tinha como amigo João que o ajudava em tudo e hospedava, e fala também de outro hospede de Miranda O Botenho. Um homem sem nada, nem ninguém e de 70 anos. O capitulo continua contando a personagem de Botenho; e mostra que ele acaba descobrindo mais uma infidelidade de Estela, com o menino Henrique. Capitulo III Esse capitulo começa contando a rotina do Cortiço, mostra que todos lá acordavam 5 da manhã e que todos já começam a fazer seus afazeres, vinha o padeiro vender o pão, todos abriam suas janelas e começava o zunzunzum. E começa a comentar a vida de outros moradores, como Machona ou Leandra, que tinha duas filhas, uma casada e separada do marido Ana Das Dores, e Neném, e mais um filho, o Agostinho. Não se sabia se Machona era viúva ou separada, os filhos não pareciam um com os outros. Das Dores tinha 25 anos, Neném 17.Conta também a vida de da tia das meninas Augusta “carne-mole” casada com Alexandre, soldado da policia, que tinha filhos também, Juju vivia com a madrinha. Com a esposa Alexandre trabalhava a Leocádia, mulher de Bruno. Tinha a Paula uma cabocla, uma benzedeira e que todos chamavam de Bruxa. Tinha Marciana e mais sua filha Florinda. Depois tinha a Isabel, isto é Dona Isabel. Tinha a Pombinha a flor do Cortiço que é noiva de João da Costa. Era uma menina doce e meiga que se vestia sempre muito bem e sempre ajudava a todos, era noiva, mas todos sabiam de seu drama pessoal, que era que ela ainda não tinha menstruado. Então naquela manhã ela acordou mais cedo, pois não havia dormido bem. Capítulo IV Depois de meia hora João Romão, sem mostrar seu cansaço, foi falar com o rapaz que o esperava. Tal Sr. Machucas tinha indicado este rapaz a João Romão. Ele sabia explodir as pedras com pólvora. Começaram a negociar o salário, mas João Romão pechinchava, como sempre. O rapaz sabia de um acidente acontecido na semana anterior na pedreira de João, por isso não queria receber menos de setenta mil réis, pois, afirmando que tinha a mão boa e que nunca deixaria acontecer um acidente com morte. Foram juntos conhecer a pedreira. As lavadeiras continuavam o trabalho depois do almoço. Usavam chapeis de palha para protegerem-se do sol. O calor era ainda maior quando o estômago ainda digeria o almoço. Machona destrocava peças de roupas, Augusta sentia-se mole, Leocádia parava por causa das suas coceiras no quadril e virilha, ainda mais violentas pelo calor, e a Bruxa cantava toadas do sertão feito uma idiota. Florinda sentia-se entusiasmada, Dona Isabel resignava-se em lavar sentindo-se uma condenada, Albino batia um par de calças na tábua. Nas casas oito e sete, Das Dores engomava e cantava, e Neném cantarolava baixo. O vendeiro deu uma tapa no bumbum de Florinda quando esta se abaixou para pegar a roupa, e ela ralhou um pouco. João Romão continuo brincando. Ela ameaçou jogar água. Ele foi embora conversando com o cavouqueiro, que não pode deixar de observar a quantidade de quartos do cortiço. João Romão assegurou ao rapaz que ali na estalagem era tudo gente séria, nem a polícia nunca tinha vindo por causa de problemas. Chegaram ao fim do pátio, onde bastava atravessar o capinzal para se chegar à pedreira. A luz que refletia na pedreira cegava os olhos. Mal se conseguia distinguir entre as nuanças das pedras, apenas uma luz branca uniforme. O terreno de cascalho indicava que a pedreira estava próxima. Os sapatos enchiam-se de poeira, e as carroças puxadas por burros iam cheias de calhaus de pedra partidos. Trabalho duro para os homens. A esquerda da pedreira um fio de rio com uns meninos nus sobre uma ponte de tábuas conversando. Num galpão com colunas e telhas homens trabalhavam com um picão em cima do granito. Em seguida uma ferraria, onde homens de torsos nus e banhados de suor martelavam ferro em brasa perto da forja. João, gritando com os ferreiros, os lembrou sobre um trabalho em um varal de ferro para a lanterna do portão, provavelmente para ser reparado, pois um dos ferreiros disse que o varal estava carcomido pela ferrugem e devia ser trocado. O vendeiro seguia com o cavouqueiro. Em seguida viram a estrebaria e o depósito de madeiras, que também era oficina, e mais cinquenta passos chegavam à pedreira. Havia trabalhadores por toda a parte, uns sob o sol, outros em sombras de barracas improvisadas com folhas de palmeira. Usavam as picaretas, talhavam lajedos e faziam paralelepípedos. Todo o barulho de ferramentas pesadas e do zum-zum vindo lá do cortiço dava a ideia de uma atividade feroz. Os homens suados, bêbados e com insolação quebravam as pedras como demônios, enquanto a pedreira parecia algo imponente que nem se mexia em sua imponência. O cavouqueiro media de cima a baixo a grande pedra, arrogante como se ela o desafiasse. Capítulo v No dia seguinte chegaram Jerônimo e sua mulher no cortiço para ocupar a casinha que tinham alugado. O lugar já estava naquela ebulição habitual. A mulher se chamava Piedade de Jesus, e não era uma bonitona, mas havia nela um traço de simplicidade e honestidade. Vieram na boléia do caminhão. Piedade com um paninho de algodão branco na cabeça, Jerônimo com a roupa do dia anterior. Descarregaram os objetos sem a ajuda dos homens do caminhão, por desconfiança. Atravessavam o pátio agarrados a alguns objetos. Machona indagava quem era aquele casal. Augusta Carne-mole contou que o homem tinha andado ali no dia anterior, e que talvez a mulher seria a esposa dele. Leocádia observou que alguns dos objetos que o casal tinha eram bons como uma cômoda, emendou Florinda. Também tinham um oratório caprichado. As lavadeiras se questionaram se eles eram pessoas boas, então Albino lembrou-se de que quem vê cara não vê coração. Augusta se lembrou do homem muito amarelo fazedor de charutos que morava na casa que o casal havia alugado. Então Leocádia contou que no dia anterior João Romão o havia despejado, tomando o que tinha lá dentro para pagar a dívida. E a Machona confirmou tudo. Horas depois o casal já preparava a janta e organizava-se para começar a trabalhar no outro dia. Jerônimo era metódico. Veio tentar a vida no Brasil, e depois de ser colono por dois anos se desgostou da lavoura, onde não se deu bem financeiramente. Além disso, lá o nivelavam aos negros, vivendo e trabalhando como eles. Largou tudo para trabalhar em uma pedreira por um salário mínimo. Com a vida dura, sua mulher ajudava lavando e engomando, mas ainda não era suficiente para o sustento do casal e da filhinha. Como era um lutador, foi ficando habilidoso no trabalho com as pedras, até que em dois anos se tornou contramestre com um salário de setenta mil réis. Por ser um homem sério, forte e de caráter firme, conseguiu o respeito das pessoas em pouco tempo. Além disso era honesto e simples, e quando não trabalhava, estava em casa. A filhinha estava sempre bem cuidada, e o casal tinha o hábito de sempre chegar cedo para o trabalho. Aos domingos iam à missa e passeavam, era a ocasião em que eles vestiam suas melhores roupas e as poucas peças de ouro que eles nunca pensaram em vender diante das dificuldades, pois tinham trazido de Portugal. Piedade tratava tão bem a todos e trabalhava com tanta qualidade que seus fregueses não a deixaram mesmo depois da mudança para o cortiço. A pedreira em que Jerônimo trabalhava anteriormente sofreu muitas mudanças desde que o seu patrão morreu, e ele não queria se sujeitar àquelas coisas estúpidas que estavam acontecendo por lá. Por isso procurou a pedreira de João Romão. Agora começava um grande trabalho, e sua influência já era sentida pelos funcionários. Tomou a direção da pedreira, não gostava de ver preguiçoso e nem gente displicente, demitiu alguns, admitiu pessoas que queriam lutar pelo ganha-pão, aumentou salários dos funcionários mais valiosos, sempre reformulando tudo para melhor. No fim de dois meses o vendeiro já estava radiante, pensando até em aumentar o salário de Jerônimo para mantê-lo ali. Assim adquiriu um respeito que ninguém mais tinha. Se tornou prestigiado e bem considerado no novo cortiço, como tinha acontecido no lugar de onde viera. As pessoas até o procuravam para resolver problemas difíceis. Alexandre até fazia continência para ele, e os dois caixeiros, Domingos e Manuel, o levantavam nas alturas em elogios. Era sério e destemido, e com ele ninguém brincava. Na venda, Piedade era bem atendida e gozava da vantagem de pegar os produtos de melhor qualidade, causando até a inveja de outras lavadeiras, cujos comentários não iam pra frente por causa da boa índole da mulher. Às quatro da manhã Jerônimo já acordava para se preparar antes de todos, se lavava, tomava café, se vestia e ia para a pedreira. Reunia a todos para o trabalho com o barulho de sua picareta e o exemplo de sua força até o fim de mais um dia cavando da pedreira o seu ganha-pão. Voltava para casa quase de noite, esgotado e faminto, quando a mulher já tinha lhe preparado comidinhas da terra. Ficavam ali descansando na modesta casa, gozando uma vida simples de trabalhadores com a filhinha, Marianita, perto da luz de querosene. Dedilhava ainda os fados da terra na porta de casa antes de ir para a cama, no máximo às dez da noite. Se sentia um melancólico emigrante e pensava na infância. Aquela canção era uma maneira de desabafar o choro de estar longe de casa, numa terra estranha, a América. Capitulo VI Volta de Rita Baiana para o cortiço, o que se transforma em motivo de festa e alegria para todos. Estivera fora (em Jacarepaguá) por alguns anos com seu homem, Firmo. Rita carregou para dentro do seu cômodo as provisões que trouxera; abriu logo a janela e pôs-se a cantar. Sua presença enchia de alegria a estalagem toda. Capítulo VII Tarde de domingo muito animada no cortiço. Miranda vocifera contra o barulho, mas só ouve gargalhadas como resposta. À noite, arma-se uma roda de samba animadíssima. Rita dançando, encanta a todos, principalmente a Jerônimo: Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assinando-lhe os desejos, acordando lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca. Capítulo VIII Jerônimo cai doente, não aceita os cuidados da esposa, mas, quando Rita chega para ajudar, anima-se imediatamente. Despreza o chá de Piedade e aceita o forte café de Rita e depois a cachaça parati. Nessa altura, já está perdido pela mulata sensual. Henrique, do sobrado, olha para Leocádia e mostra-lhe um lindo coelhinho e dá a entender que em troca de favores sexuais poderia dar o coelhinho para ela. Vão ter a relação sexual atrás do cortiço. A cena é grotesca: Leocádia gritando que queria um filho para poder ganhar dinheiro como ama de leite, e Henrique, sôfrego e louco de desejo, apertando o coelhinho pelas orelhas. Ao final, são surpreendidos por Bruno, marido de Leocádia, que arma um escândalo. Tanto Henrique como o coelhinho fogem. Expulsa de casa, Leocádia recebe o apoio de Rita Baiana. Capítulo IX Início da transformação lenta mas gradativa de Jerônimo: de excelente trabalhador passa a ser preguiçoso, indolente e sem responsabilidades. Cada vez mais se distancia de seus hábitos e paladares portugueses, e também de sua esposa, que, desesperada, pede auxílio à Bruxa. Nova confusão no cortiço: Marciana descobre que sua filha, Florinda, está grávida de seu domingo, o caixeiro da venda de João Romão. As lavadeiras todas se solidarizam e se colocam contra o caixeiro, armando um escândalo. Marciana ameaça ir à polícia, mas João Romão diz que irá acertar tudo. Chegada de Léonie, prostituta e lésbica, com sua afilhada Juju, filha de Augusta e Alexandre. Admirada por todos, léonie pergunta por Pombinha que, ao chegar, vai ao seu encontro. “Gostavam-se muito uma da outra”. Capítulo X No dia seguinte o “Jornal do Comércio” anunciava a condecoração do Miranda com o título de Barão do Freixal, e ele devia receber os cumprimentos dos amigos dignamente em sua casa. As escravas faziam a limpeza enquanto os moradores do cortiço espiavam pelas janelas, curiosos. Dona Estela, abanando-se com um leque, dava ordens e andava de um lado para o outro. Zulmira também girava pela casa. Henriquinho ajudava Botelho em alguns afazeres, e às vezes vinha na janela flertar com Pombinha, que fingia não o ver. O novo barão entrava e saía da casa, examinando tudo, dando ordens e querendo que tudo estivesse pronto rápido. E iam chegando homens trazendo as caixas das bebidas, mantimentos, latas e carnes de diversos tipos, enquanto nas janelas eram apoiadas as coisas que saíam do forno, enquanto outros pratos eram assados. Um cabrito esfolado estava pendurado na porta da cozinha. Na estalagem, porém, o povo se deu conta de que Domingos tinha desaparecido à noite. Marciana foi pedir explicações para o vendeiro, que não soube dizer sobre o paradeiro do caixeiro. Quando ela cobrou o dote que ele havia prometido, ele perguntou se ela estava bêbada, dizendo que não havia dote. Ela se enfureceu, dizendo que ainda iriam pagar pelo que fizeram. Ele a enxotou. Ela pegou sua filha e foi procurar o subdelegado, mas este disse que não podia fazer nada sem saber onde estava o delinquente. Andaram até mesmo procurando advogados, que vendo a escassez de recursos das duas, as despachava. Quando voltaram cansadas para a estalagem, Marciana, muito irritada, se pôs a limpar, xingando porque a casa não parecia se limpar nunca. Florinda chorava então sua mãe a disse que ia dar um motivo para ela chorar, pegando o pedaço de pau. Mas Florinda foi mais rápida, escapando pelo pátio. Foi tudo tão rápido que ninguém conseguiu segurá-la, e quando a velha percebeu que a filha tinha ido embora, desabou a chorar. Então se arrependeu, com medo do que pudesse acontecer à filha, e Rita a lembrou que ela estava batendo na menina desde o dia anterior, e que isto acabaria acontecendo. A velha bruxa veio consolar Marciana, enquanto esta xingava o vendeiro, colocando toda a culpa nele. Ameaçava por fogo na casa dele se a menina não voltasse, e ouvindo isso a velha bruxa sorriu sinistramente. O vendeiro ordenou que Marciana abandonasse o barraco na manhã seguinte, que ele não queria gritaria ali. Nesse dia o mau humor dele se fazia notar, já que mesmo Bertoleza já tinha sido repreendida por fazer uma simples pergunta. O título que Miranda tinha ganhado mexeu com a cabeça de João Romão, que nunca pensava em nada além de ganhar dinheiro. Agora tinha inveja da situação do Miranda, tudo tinha se invertido. E o vendeiro assistia àquela alegria. O comerciante fazia uma festa para receber pessoas e aproveitava a oportunidade de ser adulado dali em diante por todos pelo recebimento do seu título de Barão. Todos iriam elogiá-lo e seu círculo social seria mais amplo, seria convidado ilustre em todos os lugares. O vendeiro sentiu calafrios ao ler no jornal que seu vizinho tinha sido contemplado com tão nobre título. E tinha passado o dia pensando nisso enquanto despachava os produtos aos fregueses. À noite não conseguia dormir naquele quarto miserável de paredes sujas e chão poeirento, passavam pela sua cabeça as maravilhas que o vizinho viveria dali pra frente. Ficou alucinado por pensar nas pessoas, roupas, carruagens, iguarias, lugares e uma infinidade de luxos que iria brindar o mais novo anfitrião, Miranda. Esse era um mundo desconhecido para João Romão, do qual ele não sabia uma pálida sombra, e às vezes apenas ouvia falar de algo que lhe era tão longínquo. Do seu lado dormia a negra, gorda, com seu característico odor de cebola misturado com suor, roncando depois do dia de trabalho. Mas parecia nem existir para ele. A única coisa que tomava conta do seu pensamento era aquele mundo de gente fina em festas, discutindo sobre artes e política. A vida dos figaldos e dos luxos se descortinava, e tudo que vivera até ali passava pela sua cabeça. Começou e se ver, mas não como um dono de cortiço. Formaram-se imagens na sua mente, de repente, era ele o barão do ouro e do dinheiro, era grande banqueiro, tinha uma coroa e um cetro, e navios chegavam descarregando caixas com as iniciais do seu nome. E as imagens foram interrompidas por alguém que o chamava. Era a negra, o acordando para ir à praia buscar os peixes. Era domingo, mas todas as manhãs Bertoleza chamava o português para ir buscar os peixes, que depois ele prepararia para os clientes. Ele não confiava nos empregados para isso, mas nesse dia delegou a tarefa a Manuel. Acordou às seis horas, quando a casa do Miranda já estava quase pronta, decoradas e com bandeiras içadas. Soltaram foguetes para abrir o dia, e uma banda de música já tocava. O Barão estava de branco, gravata, camisa com brilhantes e se podia vê-lo de vez em quando com sua família em uma das janelas. Estava muito feliz. João Romão estava corroído. Pensava se era melhor ter sido um sovina como ele, que se privava de tudo, ou se talvez a vida de luxo de Miranda pudesse ter lhe caído melhor. Pensava no dinheiro que tinha, e ponderava se seria capaz de gastá-lo para conseguir se igualar ao vizinho. Para isso teria que dividir com o outro o que era seu, trocar de esposa, apreciar iguarias caras, encher a barriga dos outros, vestir roupas caras. Seus pés e mãos grossos e calejados seriam adequados àquelas peças de vestuário finas? E ele saberia conversar com pessoas de nível muito mais alto que o seu? Teve desgosto por não ter aprendido aquelas coisas e ter se ocupado na vida só de juntar dinheiro, e agora não saber o que fazer com ele. Chamou de besta a si próprio por não ter aprendido nada sobre aquele modo de viver, como outros de seus conterrâneos. Arrependeu-se por ter se dedicado inteiramente a fazer economia. Do contrário, não teria todo aquele dinheiro, mas seria civilizado. Bertoleza interrompeu seus pensamentos perguntando o que o homem tinha, falando sozinho, e ele mandou que ela não amolasse. Ficou o resto do dia de mau humor, e tudo era motivo para implicar. Arranjou confusão com um fiscal na porta da venda, depois com a machona, depois com as lavadeiras nas tinas, depois berrava com as crianças no seu caminho, e por último, com o velho Libório. E foi assim com o resto dos moradores, até encontrar a Marciana, que choramingava pela perda da filha. Tratou de chamar dois homens para despejá-la do número doze. A mulher assistiu ao despejo agachada na rua, resmungando algo que as pessoas, que se reuniam para ver tudo, não entendiam direito. O movimento das pessoas continuava, mas Marciana não saía do pátio. Todos tentaram falar com ela, que apenas repetia algumas palavras sem nexo, olhando fixo para um ponto e sem dar atenção a ninguém. Rita achou que ela tinha enlouquecido, e a chamava para levantar dali e tentar se arrumar de outro jeito. Mas a mulher não escutava nada, apenas repetia o monólogo. A Bruxa a olhava de longe de um jeito estranho. Então Rita foi receber Firmo e Pórfiro que chegavam com embrulhos para o jantar. Eram três horas e na casa do Miranda continuava a festa. Às vezes Henriquinho aparecia na janela para observar onde estava Pombinha, que tinha ido passear na casa de Léonie. Depois de brigar com todos na venda, João Romão foi ao pátio reclamando de tudo ali. Começou por Jerônimo, que agora estava virando um sujeito preguiçoso. Seu mestre na pedreira tinha perdido aquela força que fazia admirarar a todos, e agora seu negócio era samba e a saia da baiana. Piedade veio defender o marido, e a briga se armou. Mas com a chuva forte que começou a cair, a confusão foi dispersa enquanto os brindes na casa do Miranda se sucediam. João Romão, ao chegar à venda, foi surpreendido por um convite para ir à festa, e gostou. Mas logo a cólera o tomou, pois pensou que podia ser uma provocação. Concluiu que não precisava do vizinho pra nada, e que se quisesse festa, podia muito bem fazer a sua. Mesmo assim, imaginou-se lá, bem vestido, no meio daquela gente. Continuou o dia de trabalho tratando mal a todos e servindo aos fregueses de maneira porca. Alguns negros trouxeram a Marciana para dentro da venda, mas João Romão mandou a um policial que levasse aquela mulher daí, que não era lugar de vagabundos. Foi presa e teve seus cacarecos recolhidos pelo inspetor do quarteirão. A chuva acabou, e a festa do Miranda continuava, ainda melhor. A noite chegou, e tinha lua cheia. O samba começou mais cedo, junto com a vontade e inspiração que Rita trazia para dançar naquela noite. Rita cantava enquanto Firmo ficava preso ao violão, e disto tudo saía uma música quente e sensual. No momento em que a baiana se cansou, Jerônimo parou do lado dela e a disse que faria qualquer coisa para tê-la. Firmo fechou a cara, apesar de só ter visto que o português dizia algo a ela. E todos estavam dançando o samba. Firmo se segurou para não ir ter com Jerônimo. Como Rita se descuidou ao responder ao português com um olhar suspeito, Firmo pulou na frente do português, e os dois ficaram se encarando. A música parou, e todos se silenciaram. Os dois se desafiavam. O Português grande e forte, e o mulato um pouco menor e magro, mas ligeiro e maldoso. O povo quis apartar, pedindo para eles se sentarem e continuar a música, Piedade se levantou para tirar o marido dali, mas Jerônimo afastou-a sem parar de fitar o mulato, dizendo que queria saber o que Firmo queria dele. O mulato ameaçou brigar, movendo-se para trás e para frente, preparando-se para agarrá-lo. Chamou-o de galego ordinário. Jerônimo pulou pra cima dele com o soco preparado, mas ele caiu de costas apoiado com as mãos no chão, levantando a perna e dando um chute na barriga do Português. E quando Jerônimo armou novo ataque, levou uma cabeçada e caiu no chão. Firmo o mandou levantar, e quando ele conseguiu, levou uma rasteira e voltou ao chão. Tentou socar o mulato, que lhe deu um pontapé no queixo. O sangue lhe saiu pela boca, e o povo se assustou. As mulheres tentaram atrapalhar o mulato, mas levavam rasteiras vindas dos movimentos de capoeira que Firmo fazia. João Romão parou o trabalho da venda, trancou a estalagem e seguiu para o local. Os homens da pedreira tentaram segurar o mulato, fazendo uma roda, mas o mulato se movia de uma maneira que ninguém se aproximava. Rita baiana via de longe os dois homens brigando por causa dela, sem apavorar-se. O céu mudou de cor, e era indício de chuva. Piedade gritava pela polícia. Na janela do Miranda uma multidão assistia à briga. Foi então que um grito veio do meio da multidão, e Firmo levava uma cacetada na cabeça dada por Jerônimo, que tinha ido a casa e se armado de um pedaço de pau. O rosto do mulato ficou coberto de sangue, e não mão direita segurava uma navalha. O povo se reuniu em volta dos dois. Eles agora lutariam de igual para igual, Jerônimo com sua destreza em manejar o pedaço de pau, e Firmo na sua capoeira e navalha. Firmo tentava defender-se e atacar, mas estava perdendo a briga, já tendo levado várias cacetadas pelo corpo. Todos acreditavam que Jerônimo vencia, mas Firmo pulou aos seus pés e rasgou-lhe a barriga de baixo para cima com a navalha, no que Jerônimo caiu, segurando o corte fundo com as mãos. Todos gritavam que Firmo tinha matado, outros gritavam para pegá-lo. Ele fugiu rapidamente pelo capinzal nos fundos da estalagem. Piedade e Rita vieram acudir Jerônimo. Pediram um doutor. Do lado de fora da estalagem gritavam para abrir, e dentro o povo dizia que não abrissem para a polícia, pedindo a Jerônimo que aguentasse. Jerônimo foi carregado para casa pelas duas mulheres, aos gemidos. Os homens se armaram de paus em cada casa, e não queriam ver a estalagem invadida pela polícia pela primeira vez. Mas lá de fora, batiam no portão e gritavam para entrar. Todos temiam, pois já sabiam que a polícia entraria punindo a quem quer que fosse para dar exemplo contra jogos e bebedeiras. E os homens seguravam o portão por dentro da estalagem, enquanto as mulheres faziam uma barricada, que ficou logo pronta. O portão caiu, mas os primeiros policiais que entraram levaram garrafadas, sendo surpreendidos por um saco de cal, que os paralisou. Outros ficaram feridos na cabeça, enquanto os demais fugiam ao ataque do povo da estalagem. Enfim, eram poucos policiais contra um grande bando. Neném, ao perceber que a casa número doze pegava fogo, gritou avisando a todos. O pânico ficou maior, e a polícia aproveitou para invadir, dando golpes e destroçando tudo que encontrava pela frente no cumprimento de sua vingança. Cada um tentava salvar-se, mas trovoou forte, e desabou do céu um pé d’água com um vento que zunia. Capítulo XI A Bruxa tinha colocado fogo no número doze, carregando palha e fazendo uma fogueira lá enquanto a confusão acontecia no cortiço. Estava já meio louca, e no dia em que Marciana tinha ameaçado fazer a mesmo, ela piorou das ideias. As casas que tinham escapado do fogo não foram poupadas pelos estragos causados pela polícia em sua vingança. Enfim, o cortiço estava devastado. Ninguém sabia quem tinha começado o incêndio. De manhã o vendeiro furioso avaliava os prejuízos, já pensando em aumentar o valor dos aluguéis e dos produtos na venda para recuperar os danos. Durante a manhã deu ordens para que se fizessem os consertos, e depois foi se apresentar ao subdelegado, acompanhado de alguns moradores do cortiço. Aquela romaria engraçada passava pela cidade, e eles às vezes comentavam o acontecido ou riam de algo que viam na rua. Encheram a sala do subdelegado. Deixaram as autoridades confusas, pois, respondiam às perguntas todos de uma vez, sem esclarecer nada, e estavam também revoltados com a ação da polícia no dia anterior. João disse ao subdelegado que só sabia dos prejuízos que os policiais causaram lá dentro. O subdelegado respondeu que fizeram bem, já que o povo do cortiço tinha resistido à invasão policial. Os moradores se assanharam, justificando que estavam quietos no canto deles, que a polícia não tinha que se intrometer ali. E o subdelegado diante do espírito coletivo que os unia interrogou um a um e foi despachando o bando aos poucos. Os moradores também não queriam delatar o criminoso que navalhou Jerônimo, e nem o médico conseguiu que a vítima dissesse o nome do delinquente. Foi Rita quem mais socorreu o português, enquanto a esposa, Piedade, chorava pelos cantos. A mulata, agora mais próxima daquele homem gigante, se dedicava a cuidar dele, pois, no fundo sabia que a situação tinha sido causada por ela. Jerônimo, apesar de estar ali desgraçado, sorria e ficava feliz sendo cuidado pela mulata. Era um animal ferido que ao acariciar as mãos dela e pegá-la pela cintura, demonstrava o quão profundamente a amava. Só faltava mesmo que se beijassem, ali mesmo, na presença da esposa dele, tamanha a falta de escrúpulos que se apoderou dos dois. As duas tinham ficado juntas com o enfermo por toda a noite, e na manhã seguinte ele seguiria para a Ordem de Santo Antônio. Passaram o dia com o enfermo e voltaram à noite. E durante o dia algumas lavadeiras tinham trabalhado de maneira improvisada para atender às urgências dos fregueses. Falava-se no cortiço sobre os acontecimentos do dia anterior, e alguns contavam proezas, mas cada um reclamava dos seus próprios prejuízos, fosse pelos objetos quebrados ou por algum ferimento que tinha sofrido no corpo. Eram nove da noite e todos já se preparavam para dormir. João Romão chamou sua companheira para lhe dar algo, pois, supunha estar com febre. Depois de cuidar dele, foi dormir sossegada e acordou as quatro, estalando os ossos e pigarreando forte. Começou a preparar o café para os trabalhadores enquanto o dia já começava a clarear. A vida no cortiço recomeçava a caminhar normalmente. Pombinha não queria nem mesmo sair da cama, para onde sua mãe levou o café da manhã, e ela voltou a dormir novamente. Disse à mãe que não se sentia muito bem. A mãe disse que provavelmente teria sido por causa da bebida gelada na casa da “madama”. Levantaram-se as oito, se arrumando, e estava um pouco melancólica. O passeio na casa de Léonie tinha sido ruim, pois a deixou impressionada de uma maneira que nunca tinha ficado antes. No meio de todo aquele luxo, foi muito bem recebida. Porém, a francesa pediu à criada para que elas ficassem a sós, e assim Léonie a beijava e acariciava, fazia perguntas e estava muito carinhosa com Pombinha. Enquanto isso Dona Isabel, vendo toda aquela opulência, se recordava dos seus bons tempos, pensando no quanto seria bom se tudo voltasse a ser como antes. De tarde Léonie serviu as duas com um café muito chique, sem perder de vista em nenhum momento a atenção especial que dava à menina. Dona Isabel, que era desacostumada ao vinho, quis dormir, e Léonie arrumou um bom quarto. Quando as duas ficaram a sós, Leónie puxou a menina para junto de si, declarando-se louca por ela, pedindo que ficassem as duas descansando juntas. Pombinha ficou constrangida, e até tentou retornar à conversa que tinham quando estavam à mesa, mas Léonie só se preocupava em apalpar a menina. Começou a despir a menina, que perguntou o porquê daquela atitude. Mas a francesa insistia, despindo-se na frente da menina, e dizendo que não havia mal algum. E conseguiu também fazer com que a menina se despisse. Pombinha cruzou os braços sobre os seios, sentindo-se muito envergonhada. Léonie implorava para ela tirar a última peça, e foi então que a francesa se atirou sobre a menina, que, tentou relutar contra os abraços e beijos violentos, mas acabou cedendo. E a francesa insistiu tanto que o sangue da menina ferveu, e fizeram amor loucamente. Quando Pombinha se deu conta, afastou-se abruptamente, sentindo-se muito envergonhada, enquanto Léonie tentava animá-la afagando-lhe a nuca. Pombinha começou a chorar, jurando que não voltava mais ali, e a amiga tentava convencê-la a não ficar com raiva. Vestiu a roupa, e muito nervosa dizia que ia embora. E a amiga dizia que faria qualquer coisa para que a moça não ficasse com raiva dela. A meretriz pulou aos seus pés, dizendo que faria um escândalo, e fechou a porta do quarto. Pombinha ameaçou gritar. Léonie pediu um beijo para ser convencida de que a menina não tinha ficado com raiva. Ela deu o beijo, e as duas começaram a se recompor. Mais tarde todas jantaram. Mais tarde, Léonie presenteou Pombinha com um anel cheio de diamantes, e vendo que a moça recusava o presente, Dona Isabel convenceu-a a aceitar. Às oito mãe e filha partiram para a estalagem. Pombinha parecia triste, e sua mãe percebeu, perguntando o que era. Mas ela disse que não tinha nada. Ficou abalada dos nervos com aquela situação, com a confusão no cortiço e com as notícias sobre Florinda e Marciana. No outro dia não comeu, tinha dores no útero e não conseguia fazer nada. Estava tão inquieta que saiu para dar uma volta atrás do cortiço, no capinzal. Ficou ali passeando, arrependida pelo acontecimento da véspera, mas sentindo ainda o êxtase daquela situação. Dormiu debaixo de uma árvore, e teve um sonho lúdico, em que se via em uma floresta vermelha, nua sob o sol. Depois viu uma grande claridade e ao seu redor se formavam camadas de sangue. E então de repente se via envolvida em uma grande pétala de flor. No seu sonho ela sorria e dava olhares para sol de maneira sensual. E então o sol se desdobrou, formando duas asas, e uma borboleta gigante de fogo aproximou-se dela. E borboleta se aproximava e se afastava, fugindo sempre, enquanto a moça queria ser alcançada por ela. A grande flor se abria para que a borboleta pousasse, e a moça implorava para que isto aconteça, mas nada. Então Pombinha despertou, e se deu conta, com as mãos entre as pernas, de que sua “regra” tinha descido. Ficou assustada e feliz, e um sino bateu ao longe, enquanto um raio de sol do meio-dia batia no ventre da menina que tinha acabado de virar mulher. Capitulo XII Pombinha correu para casa. A mãe lavava roupa, ela a chamou e correram para o número quinze. Não disse nada, apenas foi erguendo as saias e mostrando o sangue para a mãe. Dona Isabel gritou, chorou, agradeceu a todos os santos, erguendo as mãos para o céu. Agarrou a filha pelas pernas beijando a barriga dela. Aquele sangue seria a salvação das duas. Saiu gritando a notícia pelo pátio do cortiço, e só não ergueu as roupas sujas de sangue para todos verem porque Pombinha a impediu. Gritava de alegria que sua filha agora era uma mulher. O cortiço inteiro ficou feliz e felicitava as duas. Nesse dia Dona Isabel acendeu velas, não trabalhou e tratou matar duas galinhas para comemorar. Ficou mais carinhosa com a filha, enchendo-a de cuidados, que não podia pegar frio, que tinha que fugir da umidade e tudo mais. Ela achou um jeito de chamar João da Costa com urgência. Às nove horas estava servindo um chá com biscoitos para as visitas. Neném e Das Dores se vestiram como se fosse para uma festa, e fizeram uma roda ao redor de Pombinha, que aceitava todas as felicitações comovidas. A partir desse dia podia-se encontrar Dona Isabel sempre sorrindo e cantarolando. Contudo, na estalagem as pessoas ainda estavam um pouco tristes em consequência dos conflitos acontecidos e da consequente navalhada. As noites de samba com violão tinham acabado. Rita estava concentrada, mas sempre aborrecida. O vendeiro proibiu Firmo de entrar na estalagem se este não quisesse ser entregue para a polícia. Piedade vivia a tristeza de ser recebida com impaciência pelo marido, que não suportava ouvi-la falar mal de Rita. Piedade vivia desgostosa e só sabia chorar. Bruno também tinha saudades da mulher, Leocádia. A Bruxa até tinha lido nas cartas que a mulher ainda o amava. Já Dona Isabel e a filha eram as únicas que estavam se dando bem. Tinham mais esperanças no futuro, o noivo todo dia aparecia para ver Pombinha, os três se viam e conversavam todas as noites por mais ou menos três horas. Eles namoravam, Pombinha se tornou mais sedutora e provocadora, e Dona Isabel cuidava de tudo para que a visita dele fosse perfeita. Marcaram o casamento, e depois começaram a cuidar do enxoval. Morariam os três, e arrumariam até empregados. Certo dia, enquanto Pombinha estava costurando, Bruno veio à porta pedir um favor à moça, mas viu que ela estava ocupada. Ela perguntou o que ele queria. Precisava mandar uma carta para a esposa que ele tinha enxotado. Ele até teve medo de incomodar a moça, que insistiu em chamá-lo de volta e escrever a carta para ele. Agradeceu-a profundamente, elogiando a bondade da moça. Na carta, dizia a Leocádia que queria repor a ela todos os objetos dela que ele tinha quebrado. E que a perdoava por ter quebrado as coisas dele. E que o passado seria esquecido. Que sabia que ela estava na pior e devendo aluguel, e que ele pagaria a dívida para ela. Para ela sair da casa da crioula onde estava que já reclamou dela, chamando-a de mulher que faz má vida. Para ela criar juízo e para de esmolar migalhas. Que podia tratar de dar de comer a ela e os quantos filhos ela tivesse. Pra ela tomar vergonha na cara e olhar só pro homem dela, e nem olhar pros lados. No final perdoava a esposa, pedindo pra ela voltar. Pombinha viu que as lágrimas do homem começaram a cair pelo rosto. Ela não deixou de notar o amor dele pela ex-esposa, mas agora, depois de se tornar mulher, tinha um olhar diferente para aquele sentimento, sobre o qual já tinha escrito em tantas outras cartas, mas nunca prestara atenção. Tinha se tornado mais lúcida. Viu como os homens eram animais grandes e fortes, mas suas fraquezas os deixavam ser conduzidos pelas delicadas mãos femininas. Bruno foi embora levando a carta. E Pombinha ficou pensando sobre esse poder que as mulheres exercem sobre os homens. Sorriu e se sentiu mais forte e valiosa. Entendeu como Léonie dominava os homens e tinha poder de arrancar o que tinham. Ficou imaginando sobre a superioridade das mulheres sobre os homens, meros escravos neste mundo. E voltou para sua costura. Continuo pensando nas pessoas, como se assemelham a animais, lembrando-se de Firmo e Jerônimo disputando a fêmea. Pensou também em Miranda, sob o poder da mulher que o subjugava, procurando outros homens. Depois pensou em Domingos, que perdera seu emprego por causa de uma aventura como uma menina tola. Se lembrou novamente de Bruno, chorando para que a mulher voltasse. E pensou em todos aqueles cavouqueiros como bestas sensuais, lembrando-se das histórias que guardava conseguem depois de tantas cartas escritas por ela naquela escrivaninha. E concluiu que nunca amaria o Costa, porque ele era um animal escravo como todos os outros. Só não dissolveria o trato do casamento por causa da sua mãe. Em uma semana o único assunto era o casamento dela, e ela seria levada para a Igreja São João Batista ao meio-dia. Ela surgiu na porta do quinze, toda de branco, mandando beijos para toda a gente, enquanto sua mãe chorava, e se dirigiu ao portão, já em prantos. Neném correu até a carruagem, beijando a noiva e pedindo a ela para não se esquecer de mandar-lhe um botão da grinalda de flores para ela, pois, dava sorte, e Neném não queria ficar solteira. Capitulo XIII O rodízio na estalagem se intensificava, e enquanto alguns abandonavam casas, já existiam outros disputando vagas. Alguns italianos tinham morrido de febre amarela. As pessoas se multiplicavam, mulheres davam à luz e algumas casas eram subdivididas. Uma viúva com cinco filhas ocupou a casa que Dona Isabel deixou vazia. Na mesma rua surgia um cortiço chamado “cabeça-de-gato”, cujo verdadeiro proprietário não podia se expor, pois era da alta sociedade, então era dirigido por outro português. É claro que aquela ameaça estava deixando João Romão com muita raiva. Então o vendeiro começou a perseguir o rival de todos os modos. Mandava fiscais para dar multas e jogava o povo da sua estalagem contra a gente do novo cortiço. O morador que não tomasse partido dele mandava ir embora. É claro que o ódio entre os grupos aumentou, e até as disputas das lavadeiras por fregueses deu uma contribuição às rivalidades. Não podia haver amizades entre a gente dos cortiços. Mudança de um cortiço para outro era traição, e um vendeiro foi encontrado quase morto por contar uma briga que tinha acontecido entre machona e sua filha no outro cortiço. Dentro da polícia havia adeptos de um ou de outro cortiço. O “cabeça-de-gato” levantou sua bandeira amarela, e a estalagem levantou outra, mas vermelha. Firmo e Porfiro se instalaram no novo cortiço. Rita se opôs, e seus namoros se tornaram menos frequentes, pois os dois eram incompatíveis com os cortiços inimigos. Eles, porém, se encontravam secretamente, mas matinham um pouco de discórdia por causa da rixa. O Cabeça-de-gato era melhor para Firmo, pois ali se sentia mais seguro, afinal, Jerônimo estava se recuperando, e logo estaria em condições de ir à desforra. Firmo também era muito respeitado no seu cortiço por causa da sua coragem. Todos conheciam seu passado de vitórias, e seu amigo Porfiro estava sempre ao seu lado. João Romão, depois da ocasião em que o vizinho tinha se tornado barão, começou também a se vestir melhor, principalmente aos domingos. Mudou a aparência do cabelo e da barba, e ganhou um aspecto mais civilizado. Começou também a aprender dança, reformou seu quarto com forro, adquiriu móveis melhores de segunda mão, melhorou o banheiro com um chuveiro, usava guardanapos à mesa e passou a comprar bebidas boas, deixando aquelas bebidas ordinárias aos seus fregueses. Passeava e ia ao teatro, além de assinar o “Jornal do Comércio”. Começou também a ler romances franceses, pensando que estava se instruindo. Chamou mais caixeiros e parou de servir no balcão. Começou a frequentar a praça onde ficavam os comércios e bancos, e de chapéu alto, se pôs a especular sempre por ali, emprestando dinheiro em troco de garantias. Até o Miranda passou a tratá-lo bem na maneira de cumprimentá-lo. Às vezes se falavam na porta da venda, e certo dia Miranda até o convidou para o aniversário de Dona Estela, mas João Romão não compareceu. Enquanto isso a crioula Bertoleza continuava na cozinha, sempre ensebada, sem folga e sem participar da nova empreitada do marido, descendo cada vez mais na escala social e se tornando ignorada e triste. O velho Botelho se transformou em um adulador do vendeiro, comparecendo à venda sempre que era oportuno, e o português até o convidava para beber algo e bate-papo. Os dois de vez em quando também passeavam na praia, e certo dia Botelho o sugeriu que a filha do Botelho vinha bem a calhar para o português, que já estava de olho na menina, mas não imaginava que o Botelho já tinha percebido. Mas João Romão afirmava que seria impossível, que talvez a menina não quisesse. E Botelho assegurou que talvez o pai consentisse, já que agora Miranda via o português com bons olhos. Botelho até se prontificou em ajudar, no que João Romão disse que o velho não se arrependeria. Então os dois, sempre que se encontravam, tratavam sobre formas de conseguir apanhar a filha do Barão para João Romão. Mas Botelho queria vinte contos de réis assim que o português e a menina se casassem, e João Romão só queria dar dez. Chegaram a desfazer o negócio, mas no outro dia, Botelho estava lá, e João Romão oferecia quinze contos, mas Botelho queria os vinte. João Romão então fechou o negócio enquanto Botelho tratava de providenciar a primeira visita do vendeiro. Dias depois o jantar já estava armado. O vendeiro delirou, e passou a estudar sobre a visita ensaiando o que falaria no espelho do seu banheiro. No dia de ir jantar tomou vários banhos, branqueou os dentes, perfumou-se, preparou as unhas, vestiu roupa nova e chegou à casa do Miranda muito simpático e tímido. Só de andar sobre os tapetes com os pés desajeitados nos sapatos começou a suar de medo. As mãos também suavam, e quando o Barão pegou seu chapéu e guarda-chuva para guardá-los, ele já estava arrependido por estar ali. Miranda disse para ele ficar a vontade, e mandou que escolhesse alguma bebida. João Romão permanecia mudo, e quando viu Dona Estela e a filha, sentiu-se atrapalhado. Chegou a escorregar e quase cair no chão. Zulmira ria discretamente. A menina tinha crescido, pegou seios e corpo e seu quadril também estava maior. Dona Estela já estava com uma aparência mais envelhecida. João Romão, à mesa, quase não comeu, e os anfitriões o perguntaram se o jantar estava ruim, mas ele jurava que estava maravilhoso. Naquele dia estavam o Botelho, um velho fazendeiro e Henrique, que estavam de visita. Leonor e Isaura riam das roupas de João Romão. Depois do jantar chegaram mais algumas pessoas. Às dez e meia serviram chá, logo depois, quando estava indo embora, O vendeiro sentiu o alívio de ter se saído bem e respirou fundo o ar fresco da noite. E foi para a casa, desfazendo-se de toda aquela roupa e recolhendo-se à cama, pensando esperançosamente seu futuro dali pra diante. Bertoleza roncava de boca aberta com suas pernas roliças e brilhantes viradas para cima. Ele exclamou dois ais resignados por ter que se deitar ali, ao lado do fedor dela. Pensou, pela primeira vez, que a crioula representava um estorvo para o seu casamento. Não conseguia dormir, mas se dava por satisfeito por pelo menos não ter tido filhos com a negra. Quando se sentia grávida, a Bruxa logo resolvia à situação com suas drogas encantadas, e agora ele era grato por isso. Agora tinha que pensar numa maneira de se livrar daquele trambolho. Surpreendia-se por ainda não ter se dado conta desse problema, e no outro dia, enquanto via a negra limpando peixe, lhe ocorreu à hipótese da morte da crioula. Capítulo XIV Depois de mais de três meses da briga que acarretou naquela navalhada, Firmo e Rita se encontravam às escondidas, mas ela estava diferente com Firmo. Ele suspeitava, e ela se atrasava para os encontros, e queria ir embora rápido com a desculpa de que estava atarefada. Ele não gostava então os dois acabavam de mau humor um com o outro. Certo dia ela não apareceu. Ele esperou enraivecido, e foi embora jurando que ela pagaria caro. Quis entrar na estalagem de João Romão, mas ficou apenas rondando. Depois foi para um botequim perto da praia, aonde um moleque veio sentar-se à sua mesa, dando-lhe a notícia de que Jerônimo tinha tido alta do hospital, e tinha ido para a estalagem. Então, com um murro na mesa, se deu conta do comportamento da mulata, e enciumou-se. Ele pensou em se vingar dos dois, e desta vez o português não escaparia. Jerônimo chegou no cortiço ainda muito debilitado. Estava pálido, de barba e cabelo grande, para pagar alguma promessa. Sua mulher, abatida, foi buscá-lo no hospital. No cortiço as pessoas o receberam entristecido e em silêncio. Rita quase chorava. Piedade o levou para casa, e quando já ia preparar um caldinho, ele pediu pelo café de Rita. A contragosto, Piedade foi humildemente pedir o favor. Antes que a esposa voltasse, ele surgia à porta da casa da mulata. Começaram a conversar, e ele dizia que não sentia mais desejo pela mulher. Ela, mesmo arrependendo-se, dizia que os homens são todos iguais, e que já tinha se livrado da coisa ruim, isto é, de Firmo. Jerônimo quis saber se era mesmo verdade, e ela confirmou. Disse também que não queria se meter com homem nenhum mais, e ele a perguntou o que aconteceria se ela encontrasse um homem que fosse para ficar com ela pra sempre, pegando na sua cintura enquanto ela recolhia as xícaras. Ela escapou, dizendo a ele que Piedade podia ver aquilo que ele fazia. Eles marcaram de se encontrar mais tarde, nisso Piedade voltava na casa dela, e mudaram de assunto para disfarçar. A esposa tinha ido dar um recado, que Zé Carlos e Pataca queriam falar com ele. Ele agradeceu a mulata pelo café, chamando-a de Nhá Rita. Encontrou os dois amigos no pátio, e foram todos para casa, o almoço estava pronto, mas ele pediu aos dois para esperarem, que depois falariam do assunto. Foram para a venda do Manuel Pepé, e no caminho, um deles confirmou que o que tinham combinado estava de pé. O outro quis saber onde se encontrava o sujeito à noite, e ele disse que era no bar do Garnisé, perto da praia. E seu amigo Zé Carlos disse que realmente o tinha vista lá no dia anterior, muito bêbado, e que talvez fosse até por causa da Rita. Entraram na venda e pediram cachaça. Jerônimo quis saber onde Rita e Firmo se encontravam. Eles disseram que era impossível que fosse no São Romão. Um deles sugeriu resolver o problema no mesmo dia. Mas Jerônimo disse que ainda se encontrava fraco. Eles até sugeriram que ele ficasse em casa e deixassem o serviço com eles, mas o português não perderia aquele lance por nada. Os outros dois também estavam na gana de pegar o Firmo de jeito. Resolveram que seria no mesmo dia, e Jerônimo estava pagando quarenta pra cada um. Marcaram para a mesma noite. Ficaram conversando animadamente sobre o que fariam. Depois, Jerônimo foi para o cortiço, recolheu-se em casa e dormiu. Mais tarde Jerônimo se alimentou bem e bebeu vinho, e logo depois foi conversar com um grupo de pessoas do cortiço, e na roda estava Rita. As pessoas falavam, mães alimentavam seus filhos ali mesmo, crianças brincavam ou choravam, passando de um lado para outro. Albino fazia um quadro com caixas de fósforos colados na porta de casa, enquanto Miranda e João Romão estavam na janela do sobrado. Lá de cima, João Romão olhava aquela gente que o deixou rico, mas tinha desprezo nos olhos. Já de noite, Jerônimo comparecia à venda do Pepe. Tomaram uma cachaça e conversaram baixo sobre o plano. Jerônimo perguntou pelos pedaços de pau, e Pataca indicou onde os tinha preparado. Eles iam para o bar do Garnisé, mas resolveram esperar ainda um pouco. Segundo tinha combinado, Pataca ia ao bar, puxava assunto com Firmo, o tirava de lá, e então apareciam Zé Carlos e Jerônimo. Jerônimo gostou, tirou o dinheiro do bolso, separou, e tirou vinte contos, que era pra festejar quando terminassem. Ainda beberam mais um pouco, brindando-se. Brindaram também a Senhora Piedade de Jesus. Resolveram seguir, com Jerônimo um pouco impaciente. Pagaram a conta e seguiram pela Rua Sorocaba, para pegar a direção da praia. Estavam excitados quando chegaram perto da praia, e falavam em voz baixa. Pataca entregou o embrulho com os paus e foi para o bar fingindo-se de bêbado. Capítulo XV O Bar do Garnisé estava cheio, com mais ou menos doze mesinhas pintadas de branco de maneira tosca. Pequenos grupos de homens bebiam cerveja, vinho e cachaça, fazendo muita algazarra. No chão se viam restos de comida. Dentro do bar, sob a luz de querosene, havia perto do balcão uma bandeja de assado com batatas. De uma porta no fundo se escutava rumores de vozes, devia ser o interior de uma casa. A Pataca parou na entrada, e fazendo-se de bêbado, tentou localizar o Firmo. Um grupo que estava em uma mesa o chamou, e tinha uma mulata magra entre eles. Era Florinda. Eles se cumprimentaram e ela contou que estava bem, tinha se amigado com Bento. É que na ocasião em que tinha fugido, dormiu em uma construção, mas no outro dia, quando procurava serviço nas casas, encontrou um velho, e se meteu na casa dele. Mas como o velho era safado, ela foi morar com o vendeiro da esquina, levando tudo que o velho tinha dado a ela. Mas o vendeiro estava desconfiando dela com o Bento marceneiro, e a colocou na rua só com a roupa do corpo e doente de um aborto. E Bento então resolveu cuidar dela. Pataca procurava Firmo enquanto ela contava esta história, e ela dizia que Bento não estava ali. Ela disse também que a mãe tinha ido para o hospício. Enquanto ela falava, Firmo apareceu no bar. Pataca se despediu de Florinda, e foi andando como se estivesse muito bêbado na direção de Firmo. Esbarrou de propósito no mulato que o encarou, mas logo o reconheceu, o saudando e chamando para beber. Foram para o balcão, e Pataca queria pagar a bebida, mas Firmo não deixou. Começaram a beber, e Firmo contou que naquele dia estava desgostoso, que Rita não tinha aparecido e que era por causa da peste do Jerônimo, que tinha voltado para a estalagem. Pataca perguntou se Rita estava com Jerônimo, mas Firmo disse que nunca estaria que ele, dali mesmo, ia procurar o português para acertar as contas. Firmo mostrou a navalha, e Pataca pediu para ter cuidado e escondê-la para que ninguém visse. Mas um policial tinha acabado de entrar, e Pataca pediu a navalha, alegando que se fosse revistado, não achariam a arma. Firmo resistiu em dar a arma ao amigo, e Pataca disse a ele que tinha visto a Rita na Praia da Saudade, com um sujeito, mas não sabia quem era. Firmo se ergueu para sair, e Pataca se ofereceu para ir junto. Chovia fino, e a praia estava vazia. Então, enquanto andavam, dois vultos apareceram e o segurou, Pataca o desarmou, e então os três caíram de paulada em cima dele. Deram o primeiro golpe na cabeça, e continuaram a bater com fúria em todas as partes do corpo, abrindo por fim talho na testa. Batiam tanto que Firmo ficou ali todo ensanguentado, parecia um pequeno animal morrendo. Uma leve convulsão mostrava que já estava quase morto. Jogaram o corpo na ribanceira da praia. Chovia forte, e eles fugiram para um bar no Catete e pediram cachaça. Jerônimo pagou os quarenta réis a cada um, e foram para outro botequim. Lá ficaram conversando, comendo e bebendo. Capítulo XVI Piedade tinha passado a noite esperando o marido desesperada pelo fato de ele nunca ter se demorado tanto antes. Rogava a todos os santos, foi ao portão da estalagem para verificar se o via, perguntando por Jerônimo para algumas pessoas. Depois foi à esquina, e voltou para casa às dez e meia. Deitou-se de roupas e sem apagar totalmente a luz do candeeiro. Não dormia, e pensava até mesmo que seu marido podia estar metido em novas confusões, quem sabe, outra navalhada. Pensou também em Firmo, e em muito, muito sangue. Por várias vezes se levantou com algum barulho, e indo verificar, não era seu marido. Com a chegada da chuva, seus delírios aumentavam. Ela rezava olhando para a imagem de Nossa Senhora de Aparecida, e tinha medo por estar sozinha ali. Queria chorar, e quando viu um par de calças pendurados com um paletó e um chapéu, lhe veio na cabeça a imagem de alguém enforcado. Bebeu um pouco d´água e ficou atenta a qualquer barulho na esperança de que o marido chegasse. A chuva forte tinha cessado, e ela agora pensava que a qualquer momento um fantasma viria para dar-lhe más notícias sobre Jerônimo. Abriu a janela para tentar descobrir que horas eram, mas um vento entrou apagando o resto de iluminação na casa. Achou os fósforos depois de tatear por toda a parte, acendendo novamente o candeeiro. Com a chuva que pegou na janela, sentiu febre e caiu na cama. Ouviu vozes abafadas lá fora, quis sair para perguntar sobre o marido, mas o calafrio de febre que sentia não a deixou ir. Às cinco horas ela já escutava o zum-zum de gente lá fora. Pensou ter ouvido a voz de Jerônimo conversando com outra mulher, mas ficou na dúvida, e foi para a janela, e as vozes pararam. Pouco a pouco o dia veio clareando, e a gente do cortiço pigarreava e bocejava, enquanto o cheiro do café invadia aquele espaço. Piedade saiu, contando a machona que Jerônimo não tinha dormido em casa, e ela tinha passado a noite sem dormir. E ia contando a todos sobre a noite, chorando e enxugando as lágrimas. E toda a gente comentava o acontecido e levantava hipóteses sobre o paradeiro do português. Piedade não lavou roupa, não comeu, e passou o dia se lamentando. E contava a machona sobre os sonhos medonhos que tinha tido à noite. E seu lamento se misturava ao barulho natural dos dias de trabalho no cortiço feito o de um vaca que mugia ao longe a falta do seu boi. Foi para o capinzal nos fundos e ficou falando sozinha, maldizendo o feitiço da mulata que fazia ferver o sangue do seu marido. E maldizia por ter saído de sua terra, de seu lugar antigo e tranquilo, sem os desvarios que encontrava no Brasil. Lá Jerônimo jamais teria sido anavalhado por um mulato da capoeira. Piedade voltou à estalagem e ficou ainda com mais raiva ao ver que Rita estava alegre, limpando a casa e cantarolando. Às vezes vinha na janela e parecia estar indiferente à vida alheia, dando a impressão de estar ocupada em afazeres. Rita não saiu para saber notícias de Jerônimo, e quando foi rapidamente à venda, não conversou com ninguém. No fundo estava preocupada, mesmo com o alívio pela morte de Firmo. Viu que Piedade saía em busca do marido, e fez o mesmo, pois queria saber outras novidades sobre o que tinha acontecido na noite do crime. Quando voltaram, tinha um reboliço por causa da morte de Firmo e da possível vingança do cabeça-de-gato. A raiva do povo de lá tinha sido atiçada, e com o cair da noite, o clima ficava muito tenso. Piedade estava furiosa, tinham contado a ela que Jerônimo estava vivo, e que o tinham visto no Bar do Garnisé e na Praia da Saudade. Também soube que esteve no capinzal dos fundos e que tinha ele tinha ido pegar sua roupa na Ordem, além de ter bebido muito na venda do Pepe com Zé Carlos e Pataca. Ela nem se deu conta do crime, estava apenas pensando que ele esteve na farra e depois tinha se metido com a mulata. Este pensamento a deixou desatinada, então foi subitamente para casa, mas ainda estava trancada como ela tinha deixado. Machona a contou sobre o assassinato de Firmo, então Piedade teve um pressentimento que lhe varreu a alma, e seguiu para dentro de casa sem falar com ninguém. Lá ficou pensando se teria sido o marido o autor do crime, e se fosse, isto significava que ele teria dormido na estalagem, e a teria trocado de vez pela Rita. Não queria aceitar essa hipótese de forma alguma. Já estava tudo combinado entre Rita e Jerônimo. Eles mudaram-se do cortiço, ele deixaria o emprego da pedreira e mandaria uma carta para Piedade saindo de vez da vida dela, mas sem rancores. Faltava uma semana, mas enquanto isso, Rita e Jerônimo se encontrariam em outro local. No dia da mudança, Piedade viu Rita passando e a chamou. Ela queria saber se a mulata estava de mudança, mas começaram a discutir feio. As lavadeiras vieram assistir àquela discussão, sem se meter, enquanto os homens riam. A mulata, ao ver Piedade a caminho, deu-lhe uma pedrada, e Piedade respondeu-a com uma pancada de tamanco na cabeça. Então brigaram a dentadas e unhadas. A luta foi assistida pela gente na janela do Miranda, e cá embaixo os brasileiros torciam pela mulata, e os portugueses, por Piedade. A luta continuou então se via Rita em cima da portuguesa esmurrando-a, e ambas estava sujas de sangue. Mas de repente, o cortiço foi invadido por centenas de pernas, destruindo tudo pela frente. João Romão nada podia fazer, a não ser guardar o dinheiro do caixa e defender as prateleiras com um pedaço de cano. Tinha gente batendo, gente apanhando, criança chorando, e cada vez entrava mais gente pelos fundos. A polícia apareceu, mas não teve coragem de entrar. Era a vingança do cabeça-de-gato pela morte de Firmo. Capítulo XVII Quando o povo do cortiço São Romão percebeu a aproximação dos rivais, surgiram gritos e desordem. Cada um entrava em casa para se armar, preparando-se para resistir ou mesmo matar. Todos se uniram num só objetivo, emprestando até armas uns para os outros. Até Agostinho, o irmão franzino de Neném, teve permissão de se armar com uma faca e ficar na entrada do cortiço. As cabeças de gato derrubaram o portão, e Pórfiro veio na entrada dando rasteira. Os invasores traziam as navalhas escondidas nas mãos. Lá da janela do sobrado o Botelho gritava a aplaudia àquela guerra. Os grupos rivais se alinharam e começaram a batalha sob o comando de Pórfiro. Entre navalhadas e cabeçadas, a capoeira entre os grupos estava equilibrada. Mas de repente, começou a pegar fogo no número 88. A estalagem foi invadida por gritos de terror. Era a Bruxa, que agora tinha conseguido realizar sua loucura. O incêndio era pra valer. As cabeças de gato abandonaram a luta. Todos tentavam salvar os poucos objetos que tinham. E corriam com seus objetos, até formarem um depósito de velharias na rua. Tinha muito choro, jogavam pragas e a gente se desesperavam. E então baldes d´água começaram a surgir para tentar dominar o fogo. Badalaram até os sinos na vizinhança. A Bruxa apareceu na janela rindo, e tinha a figura de uma feiticeira, mas nem sentia as queimaduras, estava em êxtase pela façanha que tinha realizado. As madeiras da casa dela estalaram e caíram, sepultando-a. Enquanto isso o povo continuava a trazer água no maior alvoroço. A polícia barrava quem queria entrar e o fogo se espalhava rapidamente. Um papagaio preso na gaiola em uma das casas gritava. Então chegou o corpo de bombeiros, que de maneira organizada começou a controlar a confusão. Eles atacaram o coração do incêndio com uma habilidade notável. Foram aplaudidos pelo povo, e um deles foi aclamado como herói depois de ter apagado as chamas de uma das casas corajosamente. Capítulo XVIII João Romão, vendo que o velho Libório escapava do incêndio, resolveu segui-lo disfarçadamente. O velho acendeu a luz no barraco e começou a tirar algumas garrafas de dentro do colchão. Eram mais ou menos seis, que ele enrolou numa colcha, mas deu um gemido e caiu no chão, soltando sangue pela boca antes de chegar à porta para ir embora. Quando viu que João Romão chegava, ficou se contorcendo ali, protegendo o embrulho contra o peito. Enquanto o vendeiro se aproximava, o velho grunhia como um animal apavorado. Tentava, mas não conseguia se levantar. João Romão queria ajudá-lo a sair dali, pois o fogo estava avançando. Mas o velho só pensava em proteger o pacote das mãos de João Romão ameaçando mordê-lo com as gengivas. O fogo então invadiu o barraco, e João Romão tirou-lhe o embrulho enquanto Libório permanecia estrebuchando ali no chão feito um abutre velho. O vendeiro cruzou o pátio e foi esconder o produto do seu furto, depois foi observar os bombeiros trabalhando. O fogo foi extinto à meia-noite. Às cinco da manhã, enquanto Bertoleza dormia, o vendeiro voltou para verificar o pacote. Eram oito garrafas cheias de notas, então elas resolveu esconder tudo em outro local e deixar a contagem para depois. No outro dia aconteceu a verificação policial da área devorada pelo fogo. Rita tinha fugido, Piedade tinha caído na cama de febre, os outros moradores tinham ferimentos ou navalhadas, e a filha pequena de Augusta estava morta, foi esmagada pelo povo. Passaram o dia contando os prejuízos. Aquela gente estava desconsolada. Colocaram os corpos da Bruxa e do velho Libório no pátio para esperar pela Misericórdia. Estavam descompostos e horríveis. Alguns jogavam moedas para ajudar a comprar caixões. Augusta Carne-mole também velava sua criancinha em casa. Alexandre recebia os pêsames uniformizados. Léonie cuidou de arcar com o enterro da criança. Miranda foi consolar o amigo vendeiro, felicitando-o por ter colocado tudo no seguro. O vendeiro agora tinha até lucrado com o incêndio. Ele ria para Miranda, dizendo que os moradores é que tinham se dado mal. Ele já pensava em reconstruir tudo aquilo. Miranda agora admirava o vendeiro pela força deste, mas pensava que era uma pena ele ter se envolvido com a crioula. À noite, já em segurança, João Romão foi tratar de saber quanto tinha pilhado do velho, na casa ao lado da cozinha. Nas primeiras garrafas de dinheiro ele encontrou notas já prescritas pelo tesouro, mas no final da contagem, possuía a soma de quinze contos, quatrocentos mil réis. Oito contos e seiscentos eram prescritos. Sentiu-se roubado. Ele já tinha detectado que velho guardava dinheiro, e arrependeu-se por não o ter pilhado antes. Quando o velho chegou à estalagem, João Romão sentiu que as esmolas que ele ganhava logo desapareciam. Se tivesse feito o roubo antes, não teria perdido uma boa quantia para o governo. Guardou o dinheiro para o começo das novas obras que faria. Capítulo XIX As novas obras no cortiço começaram, e enquanto se construía, retiravam-se os entulhos e as lavadeiras continuavam os trabalhos de lavagem de roupa. Aqueles que tinham perdido suas casas ficaram por ali mesmo espera
O resumo de O Cortiço de Aluísio de Azevedo. O resumo e a análise não dispensam a leitura do livro, apenas reforçam o raciocínio sobre ele, sobre o autor e sobre o período literário.Tendo como cenário uma habitação coletiva, o romance difunde as teses naturalistas, que explicam o comportamento dos personagens com base na influência do meio, da raça e do momento histórico. Ao ser lançado, em 1890, O Cortiço teve boa recepção da crítica, chegando a obscurecer escritores do nível de Machado de Assis. Isso se deve ao fato de Aluísio de Azevedo estar mais em sintonia com a doutrina naturalista, que gozava de grande prestígio na Europa. O livro O Cortiço é composto de 23 capítulos, que relatam a vida em uma habitação coletiva de pessoas pobres (cortiço) na cidade do Rio de Janeiro. O romance tornou-se peça-chave para o melhor entendimento do Brasil do século XIX. Evidentemente, como obra literária, ele não pode ser entendido como um documento histórico da época. Mas não há como ignorar que a ideologia e as relações sociais representadas de modo fictício em O Cortiço estavam muito presentes no país.
O Cortiço (1890), expressão máxima do Naturalismo Brasileiro, apresenta como personagem principal João Romão, português que pode ser encarado como metáfora do capitalismo selvagem, pois tem como principal objetivo na vida enriquecer a qualquer custo. Ambicioso ao extremo, não mede esforços, sacrificando até a si mesmo. Veste-se mal. Dorme no mesmo balcão em que trabalha. Das verduras de sua horta, come as piores: o resto vende.Mas sua ascensão não se vai basear apenas na autoflagelação. Explora descaradamente o próximo. O vinho que vende aos seus clientes é diluído em água (fica aqui nas entrelinhas a idéia de que o brasileiro está destinado a ser explorado pelo estrangeiro). Mas o mais sintomático de seu caráter está na sua relação com Bertoleza.Era essa uma escrava que ganhava a vida vendendo peixe frito diante da venda de João Romão. Os dois tornam-se amantes. O protagonista aproveita as economias dela e, mentindo que havia comprado a sua carta de alforria, investe em seus próprios negócios, construindo três casinhas, imediatamente alugadas.Com o tempo, de três chegam a 99 casinhas (na realidade, o progresso é devido não só ao tempo. Há também o dinheiro dos aluguéis que vai sendo investindo, numa postura claramente capitalista, e também o furto que João Romão e sua amante vão realizando do material de construção dos vizinhos), tornando-se o Cortiço São Romão (a maneira como Aluísio Azevedo descreve a origem e o estágio atual desse fervilhar tem claro gosto naturalista. No primeiro aspecto, as condições do meio – água à vontade – permitiram que a moradia coletiva se desenvolvesse. Existe, nesse tópico, uma forte influência dos avanços que a Biologia estava tendo na época. Quanto ao segundo aspecto, a maneira como são descritos os moradores em sua agitação, semelhantes a larvas minhocando num monte de esterco, é de uma escatologia tradicional a essa escola literária, rebaixadora ou mesmo aniquiladora da nobreza humana, ao comparar degradantemente suas personagens a animais, num processo conhecido como zoormorfismo). Aqui está a salvação do romance. Aluísio Azevedo tem deficiências no trato de personagens, tornando-as psicologicamente pobres, o que pode ser desculpável, pois o Naturalismo tem uma predileção por tipos. Essa característica vem a calhar a um autor que se notabilizara como caricaturista.De fato, os moradores do cortiço vão formar uma galeria de tipos extremamente rica, colorida, autorizando-nos a dizer que essa coletividade é que se torna a melhor personagem da obra. A moradia coletiva comporta-se como um só personagem, um ser vivo.Nesse lugar, encontramos inúmeras figuras, cada uma representando um mergulho nas diferentes taras (o enfoque das patologias sexuais, apresentando o homem com um prisioneiro dos instintos carnais – bem longe da imagem idealizada de racionalidade e nobreza – é uma das predileções do Naturalismo) e facetas da decadência humana.Há vários exemplos, como Neném, adolescente negra de libido explosiva que acaba perdendo a virgindade nas mãos de um empregado de João Romão. Cai na vida. Existe também Albino, de tendências homossexuais, ou então Machona, de pulso firme, tanto denotativa quanto conotativamente. Botelho, homem corroído pelas hemorróidas (a menção a esse detalhe, degradante, é típica do Naturalismo) e pelo pior tipo de materialismo – o alimentado pela cobiça de quem não tem nada.Pombinha, moça afilhada da prostituta Léonie, que é responsável também por sua iniciação sexual. A menina é noiva de João da Costa. Seu casamento seria a garantia de saída daquela moradia pobre. Mas sua mãe tinha escrúpulos que adiavam o casamento: enquanto a filha não se tornasse mulher – ou seja, tivesse sua primeira menstruação – não podia casar-se. No entanto, a menarca estava por demais atrasada, o que se transformava num drama acompanhado pelos moradores do cortiço, que a tratavam como a flor mais preciosa (é também típica do Naturalismo essa força que os aspectos biológicos exercem sobre o caráter da personagem. Enquanto não tem sua primeira menstruação, é menina pura. Tanto que, uma das poucas alfabetizadas e dotadas de tempo ocioso, dedica-se a ler e a escrever as cartas dos diversos moradores do cortiço, entrando em contato com a podridão das paixões humanas. Mas isso não macula sua inocência até o momento em que, mulher – ou seja, já capaz de menstruar e, portanto, cumprir seu papel biológico de reprodução –, adquire maturidade para entender o que se passa entre aquela multidão de machos e de fêmeas. Com nojo de tudo o que via, desencanta-se). No fim, vira lésbica e cai na vida, principalmente por influência de sua iniciadora, Léonie (outra leitura interessante que se pode fazer em O Cortiço é captar o destino a que é submetida a mulher. Ou se torna objeto do homem, ou sabe seduzir, de objeto tornando-se sujeito, ou despreza-o totalmente. Qualquer uma dessas posições é, na óptica da obra, degradante).Mas a mais famosa personagem é a mulata Rita Baiana. Flagramo-la voltando de uma temporada com seu mais novo namorado, Firmo. Ela representa a explosão de sensualidade de um tipo brasileiro (nesse ponto, há uma famosa característica do Naturalismo: o Determinismo. O comportamento humano, de acordo com essa doutrina filosófica, estaria condicionado a fatores de raça, meio e momento. Assim, Rita Baiana, como mulata e brasileira (raça e meio), seria sensual. Uma leitura mais rigorosa hoje entenderia essa doutrina como uma pseudociência a disfarçar um preconceito).Como é adorada pelos homens, mulheres e crianças do cortiço, seu retorno é marcado por imensa festa. É nesse momento que acaba encantando o coração de Jerônimo, português recém-chegado à moradia, que viera para trabalhar na pedreira de João Romão. Sua paixão faz com que se abrasileire imediatamente. Perde o vigor típico de sua raça para o trabalho. Passa até a gostar de nossa bebida e comida (mais uma vez, o meio influenciando a personalidade. Mais uma vez, o Determinismo, mesclado a visões preconceituosas).Sua paixão vai esbarrar nos brios de Firmo, que chega a se desentender com o português. Num golpe de capoeira, rasga a barriga do estrangeiro com uma navalha. Situação crítica, passa a morar num outro cortiço na mesma rua, apelidado de Cabeça de Gato (havia quem dissesse que esse segundo cortiço pertencia a alguém da nobreza, talvez até ao Conde d’Eu, marido da Princesa Isabel, o que revelaria a existência de gente que se beneficiava com o processo desorganizado de urbanização no Brasil, gerador de sub-moradias como os cortiços), o que acirra a rivalidade entre as duas moradias.A situação piora quando Jerônimo manda matar a pauladas o seu rival. Enquanto foge com Rita Baiana (abandonando descaradamente sua esposa), as duas moradias mergulham num conflito. O Cortiço São Romão sofre a invasão dos moradores do Cabeça de Gato, que só é interrompida por causa de um incêndio que eclode.Facilmente João Romão, rico, refaz o seu cortiço. Aliás, está com outros planos: quer subir o nível de seus moradores. É um reflexo de seu desejo: quer aceitação social. Para tanto, além de ativar uma vida social, sonha em se casar com a filha de seu vizinho, Zulmira.Esse nobre morador era também português, há mais tempo estabelecido no Brasil. Seu nome: Miranda (assim como na relação entre Léonie e Pombinha, no caso Miranda e João Romão há uma demonstração do Determinismo. Personagens submetidas às mesmas influências acabam tendo o mesmo destino). Havia-se mudado para a periferia na vã esperança de que, longe do Centro, sua esposa iria deixar de traí-lo. Inútil. Estela (esse era o nome dela) era obcecada por sexo, fazendo-o indiscriminadamente com os empregados e até com gente mais jovem, como Henriquinho, moleque que fora hospedado pelo marido. Fazia-o até com o marido, mesmo brigados. De noite, os dois entregavam-se aos instintos; de dia, nem se falavam (a maneira como Miranda se utiliza de sua esposa é de uma escatologia de claro gosto naturalista: usa a mulher como alguém que recorre a uma escarradeira).Miranda enxergava João Romão como inimigo provavelmente porque, além de estar com inveja de seu enriquecimento volumoso, sentia-se incomodado com aquela gentalha agitada grudada nos fundos de sua casa. No entanto, entra em acordo de interesses com seu agora ex-inimigo. Miranda tem a nobreza de que João Romão necessita. João Romão tem o dinheiro de que Miranda necessita. Nada mais conveniente do que a união de famílias.O problema era Bertoleza. Sem o mínimo escrúpulo, João Romão denuncia aos herdeiros do antigo dono dela o paradeiro dessa escrava fugida. Só que ele não contava que ela, quando da visão dos soldados, fosse rasgar sua própria barriga com a mesma faca com que tratava peixe, estrebuchando como uma anta até morrer (essa cena final, dotada de inúmeros traços degradantes, é um dos primores do estilo naturalista. Vale a pena ser lida).Ironicamente, assim que essa espantosa cena se desenrola, pára diante da casa de João Romão uma carruagem. Dela descem pessoas que vinham entregar uma homenagem ao protagonista, por ter-se mostrado um homem preocupado com a situação do negro e a causa abolicionista. Um final irônico, bem ao sabor de Eça de Queirós, seu grande mestre (há quem enxergue nessa filiação queirosiana uma explicação para os lusitanismos tão comuns nos textos de Aluísio Azevedo. Na realidade, a justificativa para esse fato é outra. Em primeiro lugar, esse autor naturalista é filho de portugueses, o que já faria compreensível o emprego de expressões típicas da variante européia de nossa língua. Além disso, o escritor é nascido e criado em São Luís do Maranhão, cidade que, na época, ainda mantinha fortíssimos vínculos com Portugal, influenciando até em sua linguagem).
Créditos: SOSEstudante
Resumo por capítulo
Introdução
Enredo
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