Question
A obesidade é considerada uma prioridade global de
saúde pública por sua magnitude e relação com doenças
crônicas. Em 2013, atingiu 20% dos adultos brasileiros, sendo
56,9% com sobrepeso (IBGE, 2015) e, embora políticas
nacionais tenham sido instituídas (Dias et al., 2017), trata-se
de um cenário de difícil reversão e que demanda articular o
cuidado individual com ações que afetem o ambiente
obesogênico (Poston et al., 1998; Swinburn et al., 2015). Além
disso, a baixa efetividade das intervenções individuais
pautadas em “modelos assistenciais” biologicistas e curativos
impõe reflexões sobre os caminhos para a inovação das
práticas de cuidado (Fertonani et al., 2015; Roberto et al.,
2015).
O conceito de “modelo assistencial” vem sendo
problematizado desde a década de 1970, quando emergiram
as críticas ao denominado “modelo biomédico”. A instituição
do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1990 impulsionou a
reorientação desse modelo na direção da atenção integral à
saúde, culminando com a consolidação da Estratégia Saúde da
Família (ESF). Além disso, a ótica da promoção da saúde
reforçou novas concepções sobre cuidado ao propor ações
positivas de saúde, considerando os múltiplos condicionantes
do processo saúde/doença (Fertonani et al., 2015; Teixeira,
2006).
O debate sobre modelos assistenciais abarca
elementos-chave como as formas de organização das relações
entre profissionais e usuários, saberes e técnicas utilizadas
para atender as necessidades em saúde, práticas e processos
de trabalho (Fertonani et al., 2015). A reorientação dos
modelos vigentes é um processo complexo que implica
mudanças em distintas dimensões, tais como: (1) gerencial -
referente aos mecanismos de condução do processo de
reorganização das ações e dos serviços; (2) organizativa -
referente ao estabelecimento das relações entre as unidades
de prestação de serviços, considerando os níveis de
complexidade tecnológica do processo de produção do
cuidado; e (3) técnico assistencial, ou operativa, referente às
relações que se estabelecem entre o(s) sujeito(s) das práticas
e seus objetos de trabalho em vários planos (promoção da
saúde, prevenção de riscos e agravos, e recuperação e
reabilitação) (Fertonani et al., 2015).
A ESF distingue-se do modelo biomédico por ser
fundamentada na integralidade; na construção de Redes de
Atenção à Saúde (RAS), tendo a atenção básica como
articuladora dos demais níveis por meio dos mecanismos de
referência e contrarreferência; na articulação entre promoção
da saúde, prevenção, tratamento e reabilitação; no foco na
família, grupos e comunidades; na compreensão dos
condicionantes históricos, sociais, culturais do processo
saúde/doença; nas relações acolhedoras, de vínculo, compromisso e corresponsabilidade entre os profissionais de
saúde, gestores e população; e na equipe multiprofissional
(Fertonani et al., 2015; Teixeira, 2006). Tais características
estão relacionadas com as dimensões “organizativa” e
“técnico assistencial” de reorientação dos modelos
assistenciais, incluindo as “práticas de cuidado” (Mattos,
2001).
BURLANDY, L. et al. “Modelos de assistência ao indivíduo com
obesidade na atenção básica em saúde no Estado do Rio de Janeiro,
Brasil”. Cad. Saúde Pública. 2020, v. 36, n. 3, p. 01-19.
Assinale a alternativa correta de acordo com o texto:
Question
Francisco & Diez-Garcia (2015) reiteram que a
abordagem terapêutica da obesidade tem se detido no modelo biológico do qual derivam estratégias que são insuficientes para dar conta da complexidade do problema.
Analisam vários estudos que indicam como as atitudes negativas dos próprios profissionais de saúde em relação ao excesso de peso podem afetar o tratamento e o julgamento clínico, dificultar o acesso aos serviços de saúde e condicionar, inclusive, o tempo de consulta. Estudos abordados pelos autores sinalizam que a maioria dos profissionais entrevistados não se sente qualificado para tratar a obesidade, o que os leva a sentimentos de limitação e frustração. Mesmo entre grupos especializados e interessados em tratar a obesidade, existem níveis consideráveis de preconceito – próximos ao da população em geral.
Assis (2017) também ressalta as frustrações e outras reações, até mesmo a raiva, expressas por profissionais que lidam com o tratamento da obesidade e com as “resistências” dos usuários em mudar seus hábitos, o que por vezes é atribuído a uma postura de “relaxamento da família” e “falta de disciplina”. Portanto, apesar das evidências científicas de que os fatores psicossociais, genéticos, metabólicos e hormonais condicionam a obesidade, ainda sobressai a hipervalorização das causas “pessoais” (Francisco & DiezGarcia, 2015) e os profissionais de saúde acabam seguindo esta perspectiva, como observado no presente estudo.
“Pacientes obesos” são rotulados como aqueles que não se cuidam ou que não querem se cuidar, que gastam dinheiro público com seu tratamento e são punidos por este dilema moral de culpa individual. A responsabilidade pessoal se torna peça central no processo de estigmatização da pessoa com obesidade, o que só reitera a importância de se problematizar o conceito de autocuidado para que não reforce esta perspectiva culpabilizadora (Francisco & Diez-Garcia, 2015).
BURLANDY, L. et al. “Modelos de assistência ao indivíduo com obesidade na atenção básica em saúde no Estado do Rio de Janeiro, Brasil”. Cad. Saúde Pública. 2020, v. 36, n. 3, p. 01-19
Segundo o texto, é correto afirmar: