O Modernismo em Portugal acaba se concentrando em um poeta: Fernando Pessoa.
Fernando Antônio Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, Portugal, no dia 13 de junho de 1888. Filho de Joaquim de Seabra Pessoa, natural de Lisboa, e de Maria Magdalena Pinheiro Nogueira Pessoa, natural dos Açores. Ficou órfão de pai aos 5 anos de idade.
Seu padrasto era o comandante militar João Miguel Rosa, que foi nomeado cônsul de Portugal em Durban, na África do Sul. Acompanhando a família Fernando Pessoa seguiu para a África do Sul, onde recebeu educação inglesa no colégio de freiras e na Durban High School.
Em 1901, Fernando Pessoa escreveu seus primeiros poemas, em inglês. Em 1902 a família voltou para Lisboa. Em 1903 Fernando Pessoa retornou sozinho para a África do Sul e frequentou a Universidade de Capetown (Cabo da Boa Esperança). Regressou a Lisboa em 1905 e matriculou-se na Faculdade de Letras, onde ingressou no curso de Filosofia. Em 1907 abandonou a faculdade.
Em 1912, Fernando Pessoa estreou como crítico literário na revista “Águia” e poemas em “A Renascença” (1914). A partir de 1915 liderou o grupo mentor da revista “Orpheu”, entre eles, Mário de Sá-Carneiro, Raul Leal, Luís de Montalvor, Almada-Negreiros e o brasileiro Ronald de Carvalho. A revista foi a porta-voz dos ideais de renovação futurista desejados pelo grupo, defendendo a liberdade de expressão, numa época em que Portugal atravessava uma profunda instabilidade político-social da primeira república.
Nessa época. Criou seus heterônimos principais. A revista Orpheu teve vida curta, mas enquanto durou, Fernando Pessoa publicou poemas que escandalizaram a sociedade conservadora da época. Os poemas “Ode Triunfal” e “Opiário”, escritos por seu heterônimo “Álvaro de Campos”, provocaram reações violentas levando os “orfistas” a serem apontados, nas ruas, como “loucos” e “insanos”.
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Ele é dono de uma obra fantástica, que encanta leitores de todos os lugares, por sua diversidade, categoria poética e riqueza com que apresenta sua visão a respeito do mundo. O poeta conseguiu concretizar os ideais modernistas de liberdade, de interação com o real de maneira singular. O autor encontra-se no Modernismo português, mas, certamente, podemos afirmar que sua obra é atemporal, ultrapassando os limites de seu tempo, tornando-se, efetivamente, um supra- Camões. Nas palavras de Massaud Moisés (2001, p. 241),
Fernando Pessoa é dos casos mais complexos e estranhos, senão o único dentro da Literatura Portuguesa, tão fortemente perturbador que só o futuro virá a compreendê-lo e julgá-lo como merece. [...] Como havia um modelo camoniano de transmitir a impressão causada pelo mundo e os homens na sensibilidade do poeta, atualmente há um molde pessoano. O ciclo camoniano termina quando se inicia o pessoano, evidente na influencia além e aquém-Atlântico exercida por Fernando Pessoa.
O traço fundamental para a poesia moderna portuguesa e ocidental corresponde à cisão entre o eu lírico (a voz da poesia) e o empírico (o escritor propriamente dito). Assim, os textos de um determinado autor não precisam se encontrar intimamente relacionados aos acontecimentos cotidianos da vida do autor. Essa dicotomia será estabelecida por Fernando Pessoa em diferentes poemas, dentre eles o poema “Autopsicografia”. Observe:
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Esse poema encontra-se na obra de Fernando Pessoa ‘ele mesmo’, ou ortônimo (advém do grego, orto, correto e nimo, nome, ou seja, a poesia do eu lírico Fernando Pessoa). Observe que a lírica pessoana corresponde a uma poesia de extrema musicalidade, ritmada e preocupada com a plasticidade sonora. Assim, o poema em questão é organizado em três estrofes, possuindo, cada parte, uma explicação do/sobre o fazer poético.
A primeira parte é iniciada com a ideia central de Pessoa: o poeta como um fingidor. O verbo fingir é uma derivação latina (fingere), em que se percebe tanto o sentido de fingir, desenhar, quanto o de modelar, construir, envolvendo todo o processo criativo, verificado pela particularização da dor. Assim, a dor sentida pelo poeta, a explicitada, e a experimentada pelo leitor.
Essa experimentação estética, permitida pelos dois sentires do poeta, fica evidente na segunda parte do poema, em que o eu lírico alude à fruição artística da parte do leitor. Este não sente a dor real do poeta, tampouco aquela imaginada para o eu lírico, mas uma derivação desse processo: a particularização do sentimento que só o leitor é capaz de possuir durante esse processo estético.
Na terceira e última estrofe, há uma metaforização do sentimento entretendo a razão humana. O coração (comboio de cordas), símbolo de sensibilidade, gira nas calhas de roda (destino fomentado), distraindo a razão. Aqui, percebe-se a explicitação do que vem a ser função lúdica da poesia, iniciada nos sentires do poeta, tornando-se fruídas no leitor ao distrair a razão pela sensibilidade.
Tendo isso em vista, uma característica fundamental de Fernando Pessoa ortônimo corresponde à sensibilidade da razão. Assim, há uma consciência do que se sente, amplificando o sentir em virtude do uso da razão. Outra questão relevante corresponde às dialéticas postas pelo poeta: consciência x inconsciência, discutindo a ideia de que ter a consciência da inconsciência torna possível amplificar a sensação diante das coisas; sinceridade x fingimento, pois, na concepção do poeta, a poesia é fingimento, não mentira. A sinceridade, aliás, será uma discussão interessante proposta por sua obra, pois ele acaba problematizando o quanto antissocial pode ser a sinceridade.
A principal obra de Pessoa “ele mesmo” corresponde a um livro publicado em 1934, intitulado Mensagem, o único publicado em vida, visto que o poeta faleceu com problemas de alcoolismo, em 1935. O livro foi considerado como a nova epopeia portuguesa, mas de estilo diferente do camoniano. Esse livro será composto de poemas líricos, que funcionarão como uma reflexão sobre o passado e o presente lusitano, com uma visão saudosista e, com relação ao momento vivenciado, melancólica. O poema “Mar português” corresponde a um exemplo interessante sobre a poesia publicada no livro em questão:
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.