Língua portuguesa: tecnologia e ensino Por Vilson J. Leffa in Parábola Editorial

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Letras Notiz am Língua portuguesa: tecnologia e ensino Por Vilson J. Leffa in Parábola Editorial, erstellt von Tania Aires Costa am 13/05/2017.
Tania Aires Costa
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Do eu lírico à selfie Meu objetivo específico neste pequeno texto é refletir sobre o uso da selfie no ensino da língua portuguesa. Para isso, desenvolvo a seguinte tese: (1) todos falam de si; (2) falar de si não é uma atividade superficial; (3) falar de si ajuda na aprendizagem da língua.

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Usarei como exemplo a prática social da selfie. Sabemos que falar de si não é uma atividade muito bem vista em nossa cultura. Nietzsche já dizia que “falar de si mesmo é esconder o que realmente se é”, ou seja, um jeito de enganar os outros. Voltaire também não deixava por menos: “O orgulho dos pequenos consiste em falar sempre de si próprios; o dos grandes em nunca falar de si”.

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No entanto, todos falamos de nós mesmos, grandes e pequenos. Entre os grandes, temos os poetas, que dizem falar de si como se estivessem falando pela voz do outro, fazendo de conta que estão assumindo o “eu lírico”, mas não é bem assim. Fala sério, Nietzsche. Fernando Pessoa já deixou isso bem claro, fingindo que era dor a dor que deveras sentia. No quesito orgulho, meu caro Voltaire, ninguém supera nosso Camões: "Cesse tudo o que a Musa antiga canta, que outro valor mais alto se alevanta". Nada pode ser maior, nem o Grêmio de Porto Alegre. Os grandes falam de si, e falam com muito orgulho.

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Também entre os grandes, temos os pintores, com seus autorretratos. Rafael, Rembrandt, da Vinci, van Gogh, Rubens, Goya, Warhol, El Greco, Frida Kahlo, Dali, Picasso, Portinari, Tarsila, entre inúmeros outros, não deixavam passar uma oportunidade de se pintar. Alguns se pintaram várias vezes. Michelangelo, em suas Madonas, projetava na figura do Menino Jesus, sentado no colo de Maria, autorretratos psicológicos de sua infância em Caprese, órfão de mãe e espancado pelo pai.

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O advento da web 2.0 expandiu o falar de si. O que era privilégio dos grandes, poetas e pintores, foi estendido aos pequenos e passou a ser de domínio público. Todos adquiriram voz, no sentido figurado e literal da palavra. É aí que entra a selfie, dando a todos o direito de falar de si. O poeta, que se enreda no eu lírico, e o pintor, que se espelha no autorretrato, trabalham com modalidades diferentes: um usa a palavra; o outro, a imagem. Já o internauta, que se projeta na selfie, caminha pela multimodalidade, ao vivo e a cores. Usa, no mínimo, a imagem, mas pode usar também a palavra, o áudio e o vídeo, incluindo a voz e o gesto. Cada um produz sentido com o que tem: o poeta com a palavra, o pintor com a imagem, o internauta com tudo.

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As críticas ao falar de si são bem conhecidas e podem ser resumidas em dois grandes problemas, vistos como os malefícios maiores da internet: culto ao ego e exposição da vida privada. As críticas do culto exacerbado ao ego são extremamente negativas: as pessoas aparentam o que não são, ostentam o que não têm e dizem o que não sabem. A exposição excessiva da vida privada é um problema ainda mais sério, a aberração máxima, propiciada pela câmera frontal do celular, auxiliada mais recentemente pela inclusão do pau de selfie.

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Os sentimentos e as intimidades do dia a dia, sejam o sorvete que alguém vai saborear, a roupa que vai vestir para esperar a pessoa amada ou o filho recém-nascido no berço do hospital, tudo vira selfie, e transforma a vida numa vitrine. A ideia é de que essa exposição pública dilui e enfraquece os laços de amizade verdadeira que une as pessoas. Como diria Hannah Arendt, autora muito citada pelos críticos da internet: uma existência vivida inteiramente em público, na presença de outros, torna-se, superficial.

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Hannah Arendt faleceu em 1975, antes da internet e muito antes da selfie. Enquanto viveu, não sabia o que sabemos hoje, com o emprego da ressonância magnética que os cientistas usam para perscrutar as profundezas do cérebro e mostrar o que acontece lá dentro, muito além da superfície do couro cabeludo. Estudos conduzidos pelos cientistas da Universidade de Harvard, Diana I. Tamir e Jason P.Mitchell, mostraram que quando as pessoas falam de si elas ativam as partes do cérebro que produzem a dopamina, o hormônio do prazer. O efeito é uma conectividade mais intensa dos neurônios. Resultado: falar de si não só é tão profundo quanto nosso cérebro, como ainda o torna mais elástico, facilitando a memória, a motivação e a aprendizagem.

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Sobre a selfie, especificamente, temos as investigações da Futurizon, uma empresa que faz pesquisas sob encomenda e que prevê para as selfies uma série de possibilidades para os próximos cinco anos. Em um artigo publicado em 2016, o pesquisador Ian Pearson antecipa dez possíveis usos das selfies, combinando recursos da inteligência artificial com análise de imagens e bancos de dados disponíveis em tempo real. As fotos de si mesmos tiradas pelos usuários podem trazer melhorias para as áreas do lazer, segurança, saúde, trabalho, compras etc., não só facilitando a verificação da identidade, mas também trazendo soluções para muitos dos problemas que encontramos nas atividades do dia a dia.

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Em relação à aprendizagem da língua, o falar de si tem a ver com a produção de sentido. Para produzir sentido, precisamos de um instrumento de mediação que, de algum modo, materialize o que pensamos. Essa materialização, por sua vez, produz um efeito de feedback no pensamento, que se amplia e também realimenta o instrumento, crescendo os dois, como a célula de um ser vivo que se desenvolve numa flor, num fruto e, às vezes, num câncer. Vamos ser realistas: a tentativa de produzir sentido nem sempre dá certo; às vezes se multiplica desordenadamente.

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O uso da selfie não vai salvar o ensino da língua portuguesa, mas pode ajudar bastante, dando o pontapé inicial. Nessas condições, o melhor a fazer para produzir sentido é começar por si mesmo, tentando estabelecer um vínculo inicial entre o que se sabe e o que precisa ser aprendido, seja interpretação de textos, verbal e não verbal, literatura, gêneros textuais, gramática, o que for. Isso não fazemos sozinhos, mas com o uso de um instrumento que nos empodera, alicerça e refina a exposição de nossos pensamentos, criando um vínculo com o conteúdo. É aí que entra o celular.

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O celular pode ser usando tanto para a recepção de conteúdo quanto para a produção de textos, verbais e não verbais.

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Na recepção de conteúdo, o ponto de emissão está fora do aluno. Os exemplos mais comuns são aplicativos como dicionários, manuais de redação, gramáticas e, obviamente, os motores de busca, como o Google. O que proponho aqui é a inclusão de um novo ponto de emissão, trazendo a produção textual para o lugar do aluno, que produz, adapta, remixa e redistribui o conteúdo, usando imagem, vídeo e texto verbal, fundidos num artefato cultural único e multimodal.

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O uso do falar de si como recurso de aprendizagem, tanto para o ensino da língua portuguesa quanto o da literatura, já tem sido tema de algumas dissertações e teses. Para o ensino da língua, cito como exemplo a tese de Ana Cláudia Pereira de Almeida, De Brás Cubas à curva de Koch: produção textual com base nas teorias da complexidade (2015), disponível na internet. Para o ensino da literatura, trago o exemplo da dissertação de Raquel Souza de Oliveira, Currículo ecológico de língua e literatura: o uso de tecnologias móveis para uma abordagem colaborativa (2017), que brevemente deverá também estar disponível na internet.

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Concluindo, o que tentei demonstrar aqui é o seguinte:(1) num primeiro momento, o falar de si cria um vínculo com o conteúdo a ser aprendido;(2) depois, leva ao domínio e apropriação desse conteúdo;(3) finalmente, na terceira e última etapa, reorganiza o sujeito.

Em outras palavras, quando tudo dá certo, o falar de si pode levar à transformação de si. O aluno não apenas decora, não apenas se apropria, mas se reconstitui ao falar de si. A força está com ele. Disponível em: https://www.parabolaeditorial.com.br/blog/entry/lingua-portuguesa-tecnologia-e-ensino.html. Acesso em: 13 maio de 2017.

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