Pretendemos descrever um pouco da história de Wallon, com o objetivo de conhecer
alguns aspectos centrais da vida acadêmica do autor, que os ajudaram a embasar sua
psicologia, identificando sua base filosófica à luz da concepção de homem na dimensão da
sua totalidade. De forma especifica os fatos ocorridos na vida de Wallon foram retirados das
obras de Galvão (1995), Gratiot-Alfandéry (2010) e Mendes (2002).
Henri Paul Hyacinthe Wallon nasceu em 15 de junho de 1879, em Paris, na França. Viveu
em uma família liberal e republicana, o que supõe-se ter influenciado o cunho humanista e
solidário de suas obras.
Entre 1899 e 1902, estudo estudou na Escola Normal Superior, onde obteve o diploma de
Licenciatura em Filosofia, e mais tarde em Medicina (1908).
Ente 1908 e 1914, trabalhando em instituições psiquiátricas francesas, Wallon dedicou-se
a psiquiatria infantil com ênfase na área de anomalias motoras e mentais.
Na I Guerra Mundial (entre 1914 e 1918) trabalhou como médico do Exército francês
tendo a oportunidade de repensar algumas das concepções que havia idealizado quando
atendia crianças com problemas neurológicos.
Em 1919 foi chamado para ministrar uma série de palestras sobre psicologia da criança,
em Sobornne, devido ao seu excepcional interesse e conhecimento na área. Wallon continuou
a ministras palestras em diversas instituições.
Foi entre as décadas de 20 e 40 que a produção acadêmico-cientifica “deslanchou”,
produzindo vários livros, publicando em 1925 a sua tese de doutorado “ A criança turbulenta”
e ministrando inclusive a disciplina de psicologia da educação.
Em 1935, ocorreu sua viagem ao Brasil, aos 56 anos, tendo sido recepcionado pelo ilustre
Paulo Freire, em cuja ocasião ministrou palestras no Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia.
No percurso da II Guerra Mundial, quando a França foi ocupada pelos nazistas alemães,
Wallon filiou-se ao Partido Comunista fazendo oposição ao nazismo, custando-lhe
perseguição por parte da Gestapo, a polícia política dos nazistas.
Devido a perseguição, Wallon teve que suspender as atividades acadêmicas, conquanto
não cessou as produções cientificas, publicando inclusive, nessa época tumultuada, o livro
“Do ato ao pensamento (1942).
A partir de 1944, Wallon é nomeado pelo Ministério da Educação Nacional para compor
uma comissão responsável pela reformulação do sistema de ensino francês. Em 1947, vieram
os resultados desse trabalho: O “Projeto Langevin-Wallon”, que a despeito da sua não
implantação, “ priorizava a adequação da educação às necessidades da sociedade da época e
às características do indivíduo, favorecendo ao máximo o desenvolvimento de aptidões
individuais e a formação do cidadão” (FARIA, 2015).
Em 1948, criou a Revista Enfance, de psicologia infantil, onde Wallon e seus
colaboradores traziam importantes considerações a respeito da criança, nas áreas da
psicologia, pedagogia, neuropsiquiatria e sociologia.
Wallon aposenta-se oficialmente em 1949, embora tenha continuado as atividades
cientificas no seu laboratório. Quando em 1953, um acidente retira sua mobilidade quase
total, Wallon continua seu trabalho na sua residência, até 1962, onde morre aos 83 anos,
compondo o que seria o seu último artigo “Mémoire et raisonnement”.
Ao investigar o contexto social e político em que Wallon estava inserido pode-se
depreender o caráter humanista de sua obra, bem como a visão política que nutria a respeito
da educação. Suas formações acadêmicas também dizem muito sobre o caráter biologicista do
seu trabalho e sua vinculação a psicologia, dialogando também com a sua ampla compreensão
no tocante ao desenvolvimento humano.
2.FUNDAMENTOS PSICOLÓGICOS DA TEORIA WALLONIANA: CONCEITOS
DE CAMPOS FUNCIONAIS.
Nota:
Na intenção de explicar o desenvolvimento cognitivo da criança, Wallon criou o
conceito de “campos funcionais” que seriam categorias de atividades cognitivas especificas.
Como Campos/Conjuntos/Domínios funcionais, Prandini entende que “são constructos
de que se lança mão para analisar o homem como objeto de estudo, por meio do agrupamento
de funções em categorias, de acordo com suas características predominantes” (PRANDINI,
2004, p.30).
Na concepção de Wallon, existe quatro campos funcionais – movimento (ato motor ou
motricidade), afetividade, inteligência e pessoa (formação do eu).
Convém ressaltar que apesar de distinguir quatro campos funcionais, Wallon trabalha
com a ideia de integração funcional desses campos, afirmando que esses são complementares
e atuam de forma totalizante. Aliás, o autor é um dos poucos teóricos da época que considera
a criança em sua totalidade, pensando-a de uma forma holística.
2.1 Movimento
Nota:
Sendo um dos primeiros a se desenvolver, é o movimento que dá apoio a evolução dos
outros campos funcionais. Está intimamente ligado às emoções, pois são estes que mobilizam
a afetividade em suas mais variadas facetas. Segundo Wallon, o movimento é a tradução da
vida psíquica, antes do surgimento da palavra. (WALLON, 1975, p.75).
O movimento possibilita ás crianças situações que lhe proporcionarão aprendizado e é
isso que fará a individualização entre a criança e o meio, ou seja, o movimento e as emoções,
irão de forma complementar, ajudar no processo de formação do eu, criando na criança um
senso de particularização, de singularidade entre ela e o ambiente que a cerca.
2.2 Afetividade
Nota:
A afetividade é a fase mais primitiva do desenvolvimento, antecedendo a
cognitividade.
A afetividade, para Wallon, é entendida como um conjunto funcional que responde
pelos estados de bem-estar e mal-estar quando o homem é atingido e afeta o mundo que o
rodeia (DÉR, 2004, p. 64). Podendo ser conceituada, também como todo o domínio das
emoções, dos sentimentos das emoções, das experiências sensíveis e, principalmente, da
capacidade de entrar em contato com sensações, referindo-se às vivências dos indivíduos e às
formas de expressão mais complexas e essencialmente humanas (BERCHT, 2001, p.59).
De acordo com Wallon, afetividade são manifestações de dimensões tanto psicológicas
como biológicas. Onde as manifestações psicológicas são representadas pelos sentimentos e
desejos, e as manifestações biológicas são representadas pelas emoções, (WALLON,1968).
Das manifestações afetivas, a emoção é a mais destacada por Wallon. Afirmando que
estas “consistem essencialmente em sistemas de atitudes que correspondem, cada uma, a uma
determinada espécie de situação” (WALLON, 1968, p. 140). É considerada uma manifestação
afetiva de ordem biológica, que afeta diretamente os batimentos cardíacos, a respiração e
tônus muscular, ou seja, a emoção imprime sua resposta na musculatura. Daí a relação de
mutualidade e complementaridade, feita por Wallon, entre a emoção e o movimento.
2.3 Inteligência
Nota:
Segundo a teoria psicogenética de Wallon, o surgimento da inteligência está vinculado
tanto a fatores biológicos como sociais. Daí a afirmação de que a gênese da inteligência é
genética e organicamente social”. Os fatores biológicos referem-se ás emoções que tem o
papel de estabelecer “uma relação imediata dos indivíduos entre si” (WALLON, 1995, p.135).
Já os fatores sociais correspondem ao meio social que contribui significativamente com dois
aspectos: o sistema de símbolos e a linguagem, ambos desenvolvidos mutuamente
aumentando o poder de abstração do indivíduo. (WALLON, 1971, p.71; WALLON, 1975,
p.45). Dessa forma, entende-se as palavras de Dantas ao afirmar que "o ser humano é
organicamente social e sua estrutura orgânica supõe a intervenção da cultura para se atualizar"
(DANTAS, 1992).
2.4 Pessoa (formação do
eu)
Nota:
A pessoa, na concepção walloniana, é um campo funcional ao mesmo tempo que se
constitui dos outros campos como afetividade, ato motor, e a inteligência. (GALVÃO, 1995).
Num primeiro momento, as atividades cognitivas infantis encontram-se não
claramente distintas. Nesse momento o bebe não se vê como um indivíduo singular
(diferenciado) ou seja, há uma indiferenciação do eu - outro e do eu – ambiente. O bebe
confunde-se com o meio. Embora em Wallon haja essa indiferenciação, o bebe não deixa de
existir como ser social, pois este sabe comunicar-se desde o seu nascimento, como forma de
sobrevivência. Na verdade, essa indiferenciação seria uma espécie de simbiose (MENDES,
2002)
A construção da personalidade acontece por volta do primeiro ano pós-nascimento, e
acontece senão por intermédio do outro, que é imprescindível para a ocorrência desse
personalismo. (MENDES, 2002)
3. DESENVOLVIMENTO DO SER HUMANO NA PERSPECTIVA
WALLONIANA (ETAPAS NO DESENVOLVIMENTO HUMANO)
Nota:
Henri Wallon, tornou-se bem conhecido por meio de seu trabalho cientifico a respeito da psicologia do desenvolvimento. Criou a teoria chamada “Psicogênese da Pessoa Completa”.
Nessa teoria, propunha o estudo da criança a partir de uma perspectiva holística, insistindo no conhecimento da criança enquanto ser completo, rompendo assim o dualismo cartesiano.
O desenvolvimento é visto, por Wallon, a partir de uma Concepção Dialética, onde este é este assinalado por conflitos, retrocessos, rupturas, em consequências das modificações
ambientais, constituindo um processo continuo que ocorre através de uma sucessão não linear
de estágios.
No período inicial da vida, os três campos funcionais como afetividade, motricidade e
inteligência, estão indissociavelmente integrados, formando um quarto campo funcional, a
formação da pessoa, muito embora ainda imaturos (DANTAS, 1990). A despeito da imaturidade dessa “tétrade”, a evolução desses campos está vinculada a dois fatores: às relações sociais e a maturação orgânica neurológica.
4. AS CONTRIBUIÇÕES DE WALLON NO ÂMBITO
EDUCACIONAL
Nota:
As contribuições de Wallon para as Ciências da Psicologia e da Pedagogia são inegáveis. Suas ideias a respeito das emoções, do ato motor, da cognitividade e da formação da personalidade são passiveis de aplicação nos mais diversos da ciência. A respeito de suas contribuições, no tocante a educação, apontaremos o que consideramos de destaque na obra
de Wallon.
Compreensão da criança enquanto ser completo: A teoria do desenvolvimento
criada por Wallon está alicerçada nos fundamentos da “psicogênese da pessoa completa”.
Essa concepção psicogenética pregada por Wallon afirma que a criança deve ser
compreendida de forma completa, integral. Logo, deve ser percebida em seus aspectos
afetivos, biológicos e intelectuais. O entendimento da criança enquanto ser completo põe por
terra a clássica dicotomia corpo/mente pregada pelo Dualismo cartesiano (DESCARTES,
2000; OLIVEIRA, ESPERIDIÃO, SORIA, 2012)
Ênfase na relação professor-aluno e valorização da afetividade: Não é exagero
afirmar que o componente afetivo ocupa lugar de destaque nos estudos de Wallon. Aliás,
Wallon foi pioneiro em considerar as emoções infantis para a sala de aula, além do corpo da
criança (GALVÃO, 1999, p.62).
De forma especial, as emoções, para Wallon, têm uma função importantíssima no
desenvolvimento da pessoa, pois são por meio delas que o aluno exterioriza seus desejos e
suas vontades. Mas também pondera que ainda são consideradas aquém do ideal no ensino
tradicional (ALMEIDA, 1999).
O papel da escola: Além das grandes contribuições para o entendimento das relações
entre educando e educador, a obra de Wallon situa a escola como “meio social” fundamental
no desenvolvimento desses sujeitos, destacando o processo de humanização e da
transformação recíproca do sujeito e do meio (MENDES, 2002).