Boubacar Barry Senegâmbia: O Desafío da História Regional 1. Reflexão sobre os discursos históricos das tradições orais em Senegâmbia
Descrição
This lecture was presented by Boubacar Barry (Universidade Cheikh Anta Diop –
Dacar, Senegal) during a lecture tour in Brazil in 2000 organized by SEPHIS and
CEAA
Boubacar Barry Senegâmbia: O Desafío
da História Regional 1. Reflexão sobre os
discursos históricos das tradições orais
em Senegâmbia
Anotações:
This lecture was presented by Boubacar Barry (Universidade Cheikh Anta Diop –
Dacar, Senegal) during a lecture tour in Brazil in 2000 organized by SEPHIS and
CEAA
1. A gênese das tradições orais na senegâmbia p.6
METODOLOGIA GRIO: Todo dia começamos a récita desde o início até o ponto
em que paramos na véspera, e isso durante sete anos. Uma mesma fala que
vocês aprendam durante sete anos não pode escapar de vocês. Nós tivemos
sucessivamente durante os sete anos três mestres, mas cada um deles nos fez
reaprender do começo até o fim. Esses mestres foram Tamba Waranka durante
três anos, Dawda durante dois anos. Todos dois são Sissoxo. Meu pai Talibi
durante dois anos. No todo, dá sete anos.”2 Esse duro e longo aprendizado
testemunha a importância do griô como detentor apropriado das tradições
orais.
HISTORIOGRAFIA Xx HISTORIOFONIA: Os griôs, enquanto detentores da tradição oral, conservaram e
transmitiram de geração em geração a grande gesta de Mali e em
particular a epopéia de Sundjata, glória de Mali, publicada na
forma de diversas versões por Niane Djibril Tamsir e
recentemente por Yussof Tata Cissé e Wa Kamissoko. Cadeia de
conhecimento que se pode qualificar de iniciático, o mito
fundador do império de Mali é conservado intacto, apesar das
vicissitudes desse império.
SEGREDOS:: Wa Kamissa também sabia contar desse país, seus rios e colinas, seus deuses, suas instituições, seus
mitos, suas lendas, sua história, seu penar, suas esperanças. Compreender por dentro porque a
sociedade mandinga Wa era excelente em diversos domínios do saber tradicional, inclusive no da
mitologia, da cosmogonia e dos signos gráficos, se diz, está reservado para os iniciados das grandes djo,
sociedades de iniciação mandingas, em particular, os do komo. Mas esse saber tem um caráter sagrado
e, em conseqüência, sua transmissão tem sempre um lado secreto, que o contador está encarregado de
guardar. Há sempre uma maneira de dizer as coisas. Cada palavra tem um outro sentido, uma outra
significação.
Suas narrativas míticas ensinam sobre a origem das coisas. Essas narrativas trazem dados preciosos
sobre as civilizações mandinga, ao mesmo tempo em que revelam os laços indiscutíveis entre estas e as
civilizações do antigo Egito.
Mas o homem que detém tanto saber está consciente de seus limites quando diz: “não é todo dia que o
homem domina seu ser íntimo e sua ciência. Quando estou feliz e quando sinto que aqueles que me
ouvem estão atentos, portanto interessados, volto a ser eu mesmo: então encho todo recipiente em que
possam me colocar.”5
2. A fixação das tradições orais p.13
PAPEL DOS MUÇULMANOS: A passagem da oralidade à
escrita se fez bem cedo pelo menos na escrita da história
em árabe ou em pular, em wolof ou mandinga, pelos
letrados muçulmanos. O
ESCRITA ÁRABE: A tradição dos tarikh nasceu e vai se desenvolver nas
teocracias muçulmanas de Fuuta Toro e Bundu, e de Fuuta Djallon,
para dar aos letrados muçulmanos a possibilidade de consignar por
escrito, seja em árabe, seja em pular, utilizando os caracteres árabes,
os principais acontecimentos de que foram testemunhas. São,
portanto, testemunhos diretos, ao mesmo tempo em que
interpretação dos fatos históricos, isto é, uma certa forma de escrever
a história.
3. Discurso histórico e nacionalismo p.20
AMBIGUIDADE: Esse nacionalismo se baseia numa ambigüidade importante pois a busca da igualdade de direitos em
relação aos franceses está em contradição com o fato colonial, que nega, a priori, a identidade dos
indígenas. Os nacionalistas vão apelar sucessivamente para a memória colonial bem como para o
registro das tradições históricas orais para reivindicar seu lugar ao sol. Diversos discursos históricos vão
ser desenvolvidos em função das necessidades da causa para balizar as lutas incertas desse
nacionalismo nascente e ambíguo.16
DUAS MEMÓRIAS: Assiste-se, assim, ao aparecimento dos dois tipos de memória, a dos griôs, que se põe a serviço da
chefia tradicional, correia de transmissão da administração colonial, e a de confraria, das comunidades
muçulmanas, que se estruturam e articulam à lógica econômica colonial do amendoim.
NARRATIVA ORAL E POESIA: A palavra do griô ou a narrativa das tradições orais são vistas sob o ângulo de seus ritmos poéticos, daí a
importância atribuída por Senghor à poesia, à literatura, ao teatro e à arte. Quando se apela para a história, é para escolher Lat-Joor
como herói nacional que encarna as tradições e valores aristocráticos de dignidade e sacrifício como fundamento da ideologia nacional
do Senegal independente e do partido único. Para a Negritude, as tradições orais são episódios que devem servir para reforçar o
sentimento de unidade nacional. Consideradas antes de tudo como crônicas e lendas, sua escrita e valor literário predominam sobre o
conteúdo, na verdade, sobre a história da África, que é colocada entre parênteses por Senghor durante todo o seu regime.
REDESCOBERTA ORALIDADE: De fato, a redescoberta das tradições orais virá principalmente da segunda
geração de historiadores profissionais, que vão se interessar pela história pré-colonial da África
Ocidental, e cujo estudo da evolução das sociedades em todos os domínios suscitou muitos interesses
nos anos 1960.
4. Discurso histórico e ideologia nacional p. 27
NACIONALISMO X NACIONAL: A ideologia nacionalista que teve como referência o passado glorioso da África é
gradualmente substituída pela ideologia nacional da unanimidade do partido único, e até do partido-Estado.
Essa expressão unânime da história no contexto estreito das fronteiras herdadas da colonização está em
contradição com a realidade histórica das populações intransigentes na defesa das diversas novas fronteiras
dos Estados independentes.
Conforme o país, a ideologia nacional cede lugar a um discurso histórico específico, que deriva das
diferentes tradições orais e de uma história difundida pelas obras de novos historiadores profissionais
formados na Universidade. Ao mesmo tempo em que se proclama a unanimidade nacional, se exalta
com mais ou menos vigor a resistência do herói nacional escolhido no momento da independência para
servir de exemplo às novas gerações.
As tradições orais estão em alta e as rádios transmitem em profusão as narrativas dos griôs, cujo papel de detentores
da memória coletiva é reabilitado. Mas esse recurso à história é desigual. Certos reinos são privilegiados pelo papel
que desempenharam antes da colonização e sobretudo pelo local preponderante que ocupam no Estado pós-colonial
O PESO DAS CONFRARIAS: O peso político considerável das confrarias que controlam o mundo
camponês explica essa oscilação e o florescimento das tradições orais que celebram os pais fundadores,
Ahmadou Bamba no caso dos Mourides e Malick Sy, no dos Tidjanes.
SIMBIOSE ENTRE ORALIDADE E ESCRITA HISTYÓRICA: Há sem dúvida alguma um entusiasmo pela história e
uma espécie de simbiose entre o discurso histórico dos trabalhos de historiadores profissionais
e os discursos das tradições orais que privilegiam todos os dois os grandes homens, os grandes
momentos da história africana, na verdade, a história política.
ERRO DOS HISTORIIADORES: Com mais ou menos intensidade, os novos Estados do Senegal, Mali ou Guiné vão desenvolver essa
história nacional para marcar a ruptura com o passado colonial e criar novos modelos apoiados no
manancial inesgotável dos valores africanos veiculados nas tradições orais. Acontece que o principal
erro cometido pelos Historiadores do nacionalismo, bem como da ideologia nacional, foi considerar as
tradições orais como o equivalente ou o complemento dos documentos escritos. Enquanto fontes, essas
tradições deviam passar somente por um tratamento crítico, do mesmo modo que os documentos
escritos, que acertadamente completam, para o conhecimento do passado africano.
5. Conclusão p. 33
TRADIÇÕES ORAIS SÃO DISCURSOS HISTÓRICOS: É evidente que as tradições orais, além do testemunho e
informações que podem conter, antes de tudo constituem discursos históricos. Esse aspecto foi
desprezado pelos primeiros usuários, que privilegiaram seu aspecto de documento oral em oposição ou
como complemento ao documento escrito.
INTERESSE TARDIO PELAS TRADIÇÕES ORAIS COMO HISTORIA: Sem dúvida, as tradições dinásticas, mais
numerosas, privilegiaram a história política e é somente agora que os historiadores se interessam pelas
tradições aldeãs e familiares, que permitem explorar a vida cotidiana das populações, tanto quanto os
conflitos sociais, as evoluções demográficas e climáticas.
TRÊS SABERES: O problema maior, no presente, está em que vivemos numa sociedade
com diversas velocidades, onde três categorias de elite compartilham o campo histórico.
São historiadores de elite formados na escola francesa que moldou o Estado moderno,
historiadores da elite pró-árabe formada nos países árabes no contexto do modelo
muçulmano e, por fim, os das elites tradicionais que conservam seu saber com ciúme.
CRISE DOS SABERES: A junção desses três saberes ainda não se deu, é isto o que em parte explica a crise
do Estado pós-colonial, que quer impor uma identidade histórica comum num contexto de sociedades
plurais, que vivem sua história a longo prazo. Essa crise se acentua em particular pelo fato de que a elite
política que governa vive fora de sua história e privilegia o modelo colonial.
Introdução:
Em seu último romance, Cheikh Hamidou Kane assim
definiu o papel do griô, guardião das tradições orais
nas sociedades senegambianas: “o silêncio é sua
prova. Assim, a dupla função do griô era romper o
silêncio do esquecimento e exaltar a glória da
tradição. Essa história construída em cima do
aprendizado da tradição oral transmitida de geração
em geração foi nos últimos anos aprofundada pelos
historiadores modernos que aprenderam nas
universidades a escrever a história com base no
confronto dos documentos escritos com os
documentos orais.
SENEGAMBIA: Região entre os rios
Senegal e Gâmbia, - Senegal,
Gmabia, Guiné Bissau, Conacry,
Meuritânia e Costa do Marfim